Venilton Tadini
Os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus são profundos. Para fazer frente a esse desafio, o investimento público tem particular importância neste momento para sustentar a atividade econômica e ajudar a promover a retomada.
No setor de infraestrutura, há queda de demanda nos vários segmentos. Hoje, temos redução de 30% a 40% na demanda de rodovias e ninguém sabe quanto tempo será necessário para recuperar essa queda.
No setor aeroportuário houve retração acima de 80%. Depois da crise, os hábitos vão mudar.
É muito difícil para o setor privado investir mais em um momento com tamanhas incertezas. Atualmente, as empresas preocupam-se em manter alguma disponibilidade de caixa para honrar os compromissos mais imediatos, como pagamento de fornecedores e salários, bem como renegociar seus créditos.
Além do mais, o setor privado, que vem investindo na infraestrutura brasileira nas últimas décadas, com uma participação média de 70% de todos os investimentos feitos em infraestrutura no Brasil, terá pela frente um enorme desafio de promover, com as autoridades governamentais, regulatórias e de controle, os reequilíbrios econômicos e financeiros de contratos de concessões e PPPs.
Pedir para o setor privado liderar agora o investimento em infraestrutura para a retomada da economia é equivalente a pedir doação de sangue para uma pessoa que está sangrando.
Daí vem a importância de recuperar o investimento público até o momento em que os agentes privados enxerguem com mais clareza um horizonte de segurança para investir.
Segmentos de serviços, principalmente nas áreas de transportes e saneamento, ainda terão, por um tempo, uma participação muito expressiva do setor público. Por isso, essas áreas não podem ficar sem investimentos enquanto a situação de incerteza não mudar.
Cerca de 85% da malha pavimentada federal, por exemplo, encontram-se ainda sob gestão estatal e não podem ficar sem manutenção e conservação.
Por outro lado, muitos dos projetos incluídos nas prioridades do governo, mas que não vinham sendo realizados por falta de orçamento, agora podem ser viabilizados mais rapidamente, pois contribuem para o rompimento de gargalos e geração de empregos e renda.
Não é plenamente seguro contar com licitações de concessões para a iniciativa privada no atual clima de insegurança e enxugamento de liquidez internacional. As premissas econômicas que orientam um projeto de concessão, como demanda atual e futura, estão desatualizadas e há muita dificuldade em estabelecer minimamente cenários para os próximos anos – ao menos, neste momento. Haverá mudanças estruturais na demanda de determinados serviços – e ainda é muito cedo para avaliar a dimensão dessas alterações. Mas, como pano de fundo, a estruturação de concessões deve continuar.
Como fonte de recursos, além de instituições tradicionais como o BNDES e a Caixa, o governo pode lançar mão de um instrumento que já vem sendo bem utilizado e que precisa ser rapidamente expandido – a debênture de infraestrutura.
É preciso dar incentivo à pessoa jurídica que vai emitir o papel para que isso se transforme em melhora de taxa de remuneração, atraindo o investidor institucional, como os fundos de pensão, pois eles já têm incentivo fiscal.
Do ponto de vista da estruturação dos projetos, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) tem feito um bom trabalho no que diz respeito tanto a licitações para a iniciativa privada quanto aos projetos públicos. BNDES e Caixa também estão contribuindo para termos projetos de boa qualidade à disposição dos investidores privados – a chamada “fábrica de projetos”, caminho bastante adequado.
A existência de bons projetos é uma necessidade também para os investimentos públicos, de forma que sejam evitados erros cometidos em programas do passado, pelos quais foram conduzidos projetos mal estruturados e com baixa qualidade técnica, sem critérios transparentes e racionais que justificassem a eles o selo de prioritário.
Um plano que acrescente na infraestrutura mais investimentos públicos é pertinente neste momento. Como eu disse, o setor privado está retraído, buscando resolver problemas emergenciais de liquidez e gestão de contratos desequilibrados, ambas tarefas complexas e demoradas.
Se programas passados de investimento público erraram em acelerar os gastos em um momento em que o setor privado já havia adquirido a capacidade de puxar a demanda, gerando inclusive pressão inflacionária, é sábio aprender com as lições do passado. Além disso, atualmente, a fotografia é bastante distinta: há uma crise aguda de oferta e de demanda.
Por isso, é o momento de o poder público utilizar todos os instrumentos existentes para ampliar os investimentos em infraestrutura, auxiliando a segurar a demanda e a gerar empregos e renda – e, consequentemente, pagamento de tributos e arrecadação fiscal.
Inclusive, o investimento público assumirá papel fundamental, e pouco notado, em garantir que o programa de concessões ao setor privado tenha condições mínimas de continuar avançando. Como eu disse, os projetos de concessões devem continuar a ser estruturados.
Ao segurar a demanda agregada da economia, os gastos públicos permitem algum grau de viabilidade para projetos privados de infraestrutura em fase de estruturação e preparação, que são dependentes de demanda e pagamentos dos usuários.
Há outro argumento forte para o Estado, nesse momento, investir mais em infraestrutura. Agora, a taxa Selic, com perspectiva de chegar ao fim do ano em 2%, facilitará a obtenção de recursos para essa finalidade, pois dificilmente haverá um projeto que não dê retorno compensador a captação nessa taxa.
Nossa grande preocupação é o círculo nada virtuoso em que estamos há cinco anos.
A indústria não se recupera e corremos sério risco, nesta fase de isolamento, de ter uma depressão com deflação, e isso é tão ruim ou pior do que ter crescimento com inflação.
Por isso é importante irrigar a economia, seja com renda mínima, seja com programa de investimento.
É preciso muito cuidado para evitar uma dose excessiva de ortodoxia, pois ela pode conduzir o país para uma situação de crise econômica e social de grandes proporções, desarticulando o setor produtivo, que terá dificuldades maiores de promover a retomada posteriormente.
O investimento em infraestrutura é plenamente compatível com a diretriz de perseguir o equilíbrio fiscal, pois ao gerar renda e arrecadação fiscal, ajuda o ajuste de contas ao incrementar as receitas tributárias.
Para o país, é importante que haja privatizações, concessões e PPPs e investimentos públicos. Precisamos de cerca de R$ 300 bilhões de investimentos por anos em infraestrutura, mas conseguimos investir cerca de R$ 130 bilhões. Mais investidores, mais projetos e mais investimentos são necessários. O hiato é muito grande para escolhermos fonte de recursos. Precisamos de todas elas internas e externas, públicas e privadas.
- Venilton Tadini é presidente-executivo da Abdib