Reforma tributária volta à agenda política

Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Todo início de governo e de Legislatura, o debate sobre as reformas estruturais, como a política e a tributária, volta à tona. Desta vez, apesar da crise do sistema representativo, a prioridade está sendo o enfrentamento da crise fiscal do Estado, com a preferência conferida à reforma da previdência, secundada pela tributária, ficando a reforma política em terceiro plano.

Neste texto vamos tratar da reforma tributária, um tema complexo e polêmico, com muitos gargalos e obstáculos para sua aprovação, a começar pelas três ordens de disputa que envolve: a) uma entre os entes estatais e os contribuintes, um querendo aumentar sua carga e o outro querendo pagar menos tributos; b) uma entre os três níveis de governo, cada um querendo aumentar sua participação no bolo tributário; e c) uma entre regiões, umas requerendo preservar renúncias fiscais e outras querendo eliminar tais incentivos.

Vamos abstrair, para o texto não ficar muito longo, o caráter regressivo dos tributos praticados no Brasil, e, principalmente, o fato de que sua maior incidência ocorre de forma indireta sobre a produção, o consumo e os serviços, prejudicando os mais pobres, enquanto em muitos outros países o maior volume de receitas advém dos impostos diretos, que incidem sobre a renda e o patrimônio.

Apesar da complexidade e das disputas que o tema envolve, há consenso na sociedade, no governo e no Parlamento sobre a necessidade de reformar o sistema tributário nacional, embora não exista nenhum acordo a respeito de seu conteúdo, exceto quanto a urgência de simplificá-lo e de torná-lo minimamente racional.

O diagnóstico sobre este aspecto é unânime: o sistema tributário é injusto, irracional, penaliza os mais pobres, estimula a evasão e a sonegação, e, operacionalmente, é muito caro para pagar e receber, tanto para os contribuintes quanto para os entes estatais.

Nessa perspectiva, todos desejam uma reforma que vise a simplificação, harmonização, racionalização, e justiça fiscal, com o fim da guerra fiscal e a redução da evasão e da sonegação fiscal.

Entretanto, desde o período Constituinte, nenhum Governo reuniu maioria no Congresso para aprovar uma reforma com esse desenho ou digna desse nome. Além de um arremedo de reforma tributária aprovada durante o governo Lula, tudo funcionou à base do improviso, com criação ou majoração de impostos, taxas e contribuições, com guerra fiscal, efeito cascata e arrecadação em bases precárias, como foi o caso da CPMF, além da desvinculação de parcela da receita da União, dos Estados e dos Municípios.

A crise fiscal do Estado brasileiro, que tem a reforma da previdência como primeira medida de enfrentamento, reabriu a janela de oportunidade para a realização de uma reforma tributária para valer, já que todos (governo, Congresso, mercado e sociedade) desejam e reivindicam mudança no modelo atual.

Todavia, em qualquer reforma, e na tributária com mais razão, inclusive pela complexidade e disputas envolvidas, o método de elaboração, o processo de negociação e a condução no Poder Executivo e no Congresso, são determinantes para seu sucesso. E, mais uma vez, há divergências na condução do tema entre o Executivo e o Legislativo, como de resto também existe em relação à reforma da Previdência.

O normal e natural, até porque dispõe das informações sobre a necessidade de financiamento do Estado e sobre os impactos que cada tributo pode ter na arrecadação, é que o Poder Executivo proponha e o Congresso vote a reforma tributária, podendo aperfeiçoá-la. Mas o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), assumiu a liderança dessa matéria e pretende ter uma proposta do Legislativo sobre o tema, colocando o Poder Executivo na condição de coadjuvante na formulação do novo desenho tributário do País. Isso pode ser preocupante do ponto de vista do processo e até do resultado.

De qualquer modo, há um forte movimento na direção do debate e da deliberação sobre o sistema tributária nacional, atendendo a uma antiga demanda da sociedade. E nessa perspectiva existem pelo menos três propostas em discussão sobre o tema.

Antes de tratar de cada uma, vale a pena rememorar como é o atual sistema tributário, cuja cobrança de tributos se dá de modo direto (renda e patrimônio) e indireto (produção, consumo e serviços), com impostos e contribuições cobrados pelos três níveis de governo: União, Estados ou Distrito Federal e Municípios.

Os tributos indiretos são: 1) no âmbito federal: o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o PIS/PASEP (Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), e a COFINS (Contribuição para o financiamento da seguridade social); 2) no âmbito estadual: o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços); e 3) no âmbito municipal: o ISS (Imposto sobre Serviços).

Além destes, existem pelo menos mais oito tributos (impostos e contribuições) cobrados pela União: IRPF/IRPJ – Imposto de Renda de Pessoal Física e de Pessoa Jurídica; CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquida, o IE/II –Imposto sobre Exportação e Impostos sobre Importação, ITR – Imposto sobre Propriedade Territorial Rural, IOF – Imposto sobre Operações de Crédito,  AFRMM (Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante) e Contribuições Previdenciárias patronais.

Atualmente estão em debate, além das iniciativas da sociedade, como a proposta de “Reforma Tributária Solidária”, patrocinada pela ANFIP (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) e pela FENAFISCO (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), pelo menos três propostas oficiais de reforma tributária, todas voltadas para a simplificação do sistema tributário brasileiro, que além de complexo e caro, estimula a sonegação, a guerra fiscal e, em alguns casos, possui efeito cascata, beirando a bitributação.

A mais adiantada delas, já aprovada em comissão especial, é o substitutivo à PEC 293/2004, de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), mas que perdeu prioridade no Congresso, onde ganhou impulso a PEC 45/2019, elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e apresentada pelo deputado Baleia Rossi, líder do MDB. A proposta do governo Bolsonaro ainda está em fase de elaboração e só deve ser conhecida, em sua integralidade, em início de julho.

A proposta Hauly consiste na extinção de oito tributos (IPI, IOF, CSLL, PIS, PASEP, COFINS, Cide-combustíveis, ICMS e ISS) e, em substituição a eles, na criação do IBS – Imposto sobre Operações com Bens e Serviços no âmbito da União, além de fundir o Imposto de Renda com a CSLL- Contribuição Social sobre Lucro Líquido e criar um Imposto Seletivo, que irá taxar com alíquotas mais elevadas de determinados produtos, como veículos, combustíveis, telecomunicações, bebidas e cigarros, entre outros considerados sensíveis ou supérfluo.

A PEC 45/2019, idealizada pelo economista Bernard Appy, representante do CCiF,  é mais modesta, embora vá também na mesma linha da simplificação tributária. Ela cria o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, a partir da fusão de cinco tributos, sendo três federais (IPI, PIS e COFINS), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS), que raciona a tributação sobre a produção, o consumo e os serviços, além de desburocratizar e evitar a guerra fiscal entre os entes da federação.

Por fim, a proposta do Governo Bolsonaro, cujo conteúdo pouco se conhece, exceto as declarações do Secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, que defende a adoção do IU- Imposto Único, que incidiria sobre as transações financeiras e não sobre o consumo, como as demais.

Com exceção do Imposto Único, que teria vigência mais imediata e seria adotado em substituição aos tributos sobre renda, consumo, operações financeiras, lucro e contribuições patronais sobre a folha, todos os demais seriam implementados de forma gradual, ao longo de oito a dez anos.

O importante é que, apesar da diversidade de conteúdo e das disputas envolvidas, o sentimento é de que agora vai. O tema, que já tinha o apoio da sociedade e do setor produtivo, também ganhou espaço na agenda governamental e do parlamento, deixando a impressão de que agora o Brasil fará uma reforma tributária.

Quando há vontade política, o entendimento se viabiliza. A tendência é que o debate sobre essas propostas resulte num texto que contemple aspectos de cada uma delas, criando as condições para a formação de maioria para a aprovação de um novo desenho do nosso sistema tributário, que ao mesmo tempo simplifique e barateie a cobrança de tributos e arrecade o suficiente para manter o Estado necessário, além de estimular o investimento e a geração de emprego e renda.

 

(*) Jornalista, consultor e analista político, Diretor de Documentação licenciado do Diap, e sócio das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional e Análise de Políticas Públicas.

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