A crise causada pelo coronavírus nos trouxe dificuldades novas que terminam por agravar questões estruturais. Um dos problemas antigos que mais penalizam o sistema produtivo brasileiro e, consequentemente, a geração de empregos e renda é o sistema tributário.
O tema é debatido há mais de trinta anos no Congresso, mas só nos últimos dois ganhou impulso, com o empenho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com a pandemia, a necessidade de reformar o sistema tributário ficou ainda mais urgente.
Mas fazer uma boa reforma tributária é uma navegação imprecisa, cheia de desafios e obstáculos. Ainda assim, devemos considerar que o debate deve prosseguir não apenas no âmbito constitucional, mas também nas esferas infraconstitucional e burocrática. Proponho, para reflexão, alguns pressupostos que devem orientar a necessária reforma tributária.
O primeiro é o de que não devemos ser inocentes a ponto de acreditar que teremos, no curto prazo, uma reforma acabada. A meta é promover avanços por etapas e com tempos de transição. Temos de propiciar condições para o desmame do sistema vigente.
O segundo pressuposto é o de que devemos reduzir, desde já, o custo da legalidade, tornando o sistema mais simples de ser acessado pelo contribuinte. Gastamos por ano no Brasil quase 2 000 horas apenas para pagar impostos. Trata-se de desperdício de uma energia que poderia ser dedicada a atividades produtivas.
“Não devemos acreditar que teremos, no curto prazo, uma reforma acabada; a meta é avançar por etapas”
Um fundo de compensação para equilibrar perdas e ganhos da reforma deve ser constituído pelos entes federativos. É natural que existam vencedores e perdedores. Por isso é preciso compensar a perda de receitas até que o novo sistema se estabilize. A reforma não avançará sem a previsão de compensações.
O quarto pressuposto é o de que devemos acabar com isenções e benefícios tributários, a partir da convicção de que o sistema deve gerar competitividade, e não distorções que justifiquem isenções. Será uma grande batalha, mas deve ser enfrentada.
No entanto, algumas atividades vitais para a dinâmica da economia, para o bem da saúde pública e para o desenvolvimento social e cultural da sociedade — tais como telecomunicações, transportes, alimentos, medicamentos, diversões, turismo — devem ter cargas tributárias justas e não abusivas como hoje em dia. E esse é o quinto pressuposto.
A reforma deve ter como sexto pressuposto monetizar a preservação do meio ambiente e estimular o desenvolvimento sustentável com cargas tributárias adequadas. O Brasil tem imenso potencial ambiental e de desenvolvimento sustentável. O novo sistema tributário deve reconhecer essa potencialidade.
Como sétimo pressuposto, devemos ter, no âmbito da reforma, um Estatuto do Contribuinte, a fim de assegurar direitos a quem paga a conta, seja com agilidade na entrega de certidões, seja com previsibilidade e estabilidade de regras.
Por fim, como oitavo pressuposto, devemos estabelecer que a elaboração da política tributária deve ser de responsabilidade do Congresso Nacional, a partir do Orçamento da União. Às autoridades econômicas caberá executar tal política, definida pelos legisladores. É uma exigência da democracia.
Publicado em VEJA de 1 de julho de 2020, edição nº 2693