A inoperância política da gestão de Jair Bolsonaro no Congresso Nacional tem impulsionado a ideia de se instalar no país um sistema de governança a partir do Legislativo. “Parlamentarismo branco” ou “semipresidencialismo” são algumas das denominações que têm sido dadas a essa empreitada.
Com o fracasso do modelo de coalizão pretendido pelo Palácio do Planalto, baseado em bancadas setoriais (agronegócio, religiosa e segurança pública), a indisposição em construir uma base aliada nos moldes tradicionais, estruturada em partidos políticos; e a inabilidade no trato com os parlamentares ganha corpo cada vez mais o espírito de independência do Legislativo em relação ao Executivo.
A Constituição Federal assegura ao presidente da República uma série de recursos institucionais que lhe atribuem poder de agenda no Congresso. Possui iniciativa privativa de determinadas leis; pode solicitar urgência a projetos de sua autoria, o que garante preferência de votação; e dispõe exclusivamente da edição de medidas provisórias, que possuem força de lei por até 120 dias. Entretanto, tais recursos só funcionam de maneira eficaz se o governo dispuser de maioria parlamentar.
Nesse sentido, a implementação de uma agenda de governo fica prejudicada, pois as políticas públicas se consignam em leis aprovadas pelo Parlamento. A adoção de uma agenda própria pelo Legislativo isola o Executivo, lhe garantindo nacos residuais de poder.
O Congresso vem trabalhando uma agenda de empoderamento institucional que pode lhe permitir distanciamento do governo sem que isso possa comprometer a sobrevivência política dos parlamentares. A aprovação de matérias que permitem aos congressistas alocar recursos orçamentários a suas bases eleitorais sem necessidade de aval do Executivo ou possibilidade de bloqueio, aliada a uma revisão do pacto federativo (seja numa reforma tributária ou outra proposta) com uma nova distribuição de receitas entre União, estados e municípios, é a chave para a não-dependência do governo.
Há quem discorde desse movimento por entender se tratar de um esvaziamento do poder presidencial de maneira casuística. Para outros, cumpre-se o princípio constitucional de independência entre os poderes e promove um equilíbrio de forças entre o Legislativo e o Executivo. Antagonismos à parte, há um benefício implícito nisso, pois se trata de um passo importante para debilitar a famigerada política de “toma lá, dá cá”.
O fato concreto é que hoje, na prática, esse sistema já está em operação. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, cristalizou isso ao romper relações com o líder do governo na Casa e afirmar que se preocupa com o povo e não com o Palácio do Planalto. E pelo curso da relação entre Legislativo e Executivo, é possível que isso avance para uma nova conformação governamental, diferente do chamado “presidencialismo imperial” vigente.
*Jornalista e analista político, com especialização em processo legislativo