Os países bálticos e a guerra na Ucrânia – por Thiago de Aragão

Presidente da Rússia,, Vladimir Putin. Foto: Governo Russo

Tirando a Ucrânia, o maior ponto de tensão na Europa pode ser reconhecido pairando sobre os estados bálticos — Estônia, Letônia e Lituânia, três ex-repúblicas soviéticas que ingressaram na OTAN em 2004. Os três países estão protegidos pelo artigo 5 da OTAN, o qual estabelece que um ataque a um membro representaria um ataque a todos os membros.

Sabendo disso, a possibilidade de a Rússia iniciar um processo de invasão desses estados, como alertado pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, ainda é considerada baixa.

Porém, observamos que existem diversas formas pelas quais a Rússia poderia tentar desestabilizá-los.

Em um discurso recente, Zelensky profetizou que, caso a Ucrânia caísse nas mãos russas, o próximo alvo seriam os estados bálticos. No meu entender, a maior possibilidade recai sobre a Moldávia e a Geórgia; sabemos, entretanto, que os estados bálticos fazem parte da lista principal de “desejos” de Putin.

Naturalmente, a barreira da OTAN faz com que o presidente russo Vladimir Putin entenda que a Rússia não tem condições de suportar uma guerra contra todos os membros da aliança de países. Para que isso ocorra, a Rússia necessitaria de bons anos de fortalecimento militar e, no momento, ela se encontra em um ambiente de escassez de recursos por conta das sanções instituídas pelo estado de guerra.

Por outro lado, a justificativa aplicada inicialmente na Ucrânia — de proteger os ucranianos de origem russa que se identificam como russos em áreas “separatistas”– poderia ser aplicada, em tese, sobre os estados bálticos.

Na Lituânia, 15% de toda a população é composta por lituanos que usam o russo como seu idioma principal. Convenientemente para Putin, a maioria dessa população se encontra na fronteira com a Rússia. Na Letônia, esse percentual é de 34%; já na Estônia, 30%. Lembremos que em 2014, durante a ocupação da região do Donbass, na Ucrânia, o governo russo enviou soldados “não-oficiais”, atuando com uniformes sem a insígnia do exército russo, e apoiou financeiramente e militarmente grupos separatistas na região.

Por mais que a prosperidade nos estados bálticos seja maior do que a da Ucrânia, a capacidade de financiamento a determinados grupos poderia ser suficiente para fomentar um processo de separação. Se pequenas áreas das fronteiras desses países com a Rússia, com cidadãos locais, decidirem se rebelar contra seus governos e exigir autonomia, a Rússia ganharia com essa instabilidade. Mesmo sem enviar soldados formais, a Rússia é um dos poucos países que podem (e usam) mercenários em outros países para criar qualquer movimentação de seu interesse.

Sabemos que os exércitos dos países bálticos são frágeis e dependem inteiramente da OTAN. Existem contingentes pequenos de americanos, britânicos, alemães e canadenses estacionados nesses países. Os números, no entanto, ainda são ínfimos frente a uma eventual ameaça russa. Em 2007, a Estônia foi alvo de um dos maiores ataques cibernéticos registrados, quando o governo, sistema bancário e diversos sites comerciais do país entraram em pane e pararam de funcionar. A rede energética do país foi afetada e todos os indícios indicaram que os ataques vieram de São Petersburgo.

A escalada da crise na Europa não ocorre por uma única via, ou seja, por guerra total e explícita. Existe a guerra que nós estamos acompanhando pela televisão, sites de notícias e redes sociais. Existe também uma guerra intensa no submundo da inteligência e da espionagem, fazendo com que Estônia, Letônia e Lituânia sejam atores primordiais.

Num artigo publicado recentemente no Financial Times, Richard Milne indaga: os estados bálticos serão a nova Berlim Ocidental da Europa? Espremidos entre o Mar Báltico, Rússia e Belarus, com uma pequena passagem para a Polônia (corredor Suwalki), a estabilidade desses três países representa agora a estabilidade da Europa como um todo.

A Guerra na Ucrânia pode até ter tido uma narrativa inicial, ainda no fim do ano passado, de posicionamentos e relações geopolíticas da Rússia em relação à OTAN. Com o desenrolar dos fatos, vemos que a guerra está se miniaturizando para ser uma guerra de Putin, baseada nos seus objetivos pessoais, de legado.

Não foi uma nem duas vezes que Putin afirmou que o fim da União Soviética foi a maior tragédia do Século XX. Resgatando o que ele enxerga como a grandiosidade soviética, sua visão passa, invariavelmente, pela união de Ucrânia, Moldávia, Geórgia e também dos estados bálticos. Ali, a atabalhoada estratégia de Putin não funcionaria (por conta da OTAN), mas o uso de proxies, estímulo a separatistas e ataques cibernéticos podem ser as fagulhas necessárias para que uma grande tragédia ocorra.

 

 

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