Lula acendeu a luz de alerta

No último texto, escrevi que Lula deveria adotar precauções, já que estava passando por crises desnecessárias no governo. Nessa semana que passou, a Câmara dos Deputados deixou claro o recado: ou o governo altera seu modus operandi de relação institucional, ou terá uma trava no processo legislativo. O alerta ficou claro e, finalmente, Lula mostra que entendeu a mensagem.

Foram dois projetos que marcaram bem essa situação, o PL das Fake News (PL 2630/2020) e o PDL que trata do Marco do Saneamento (PDL 98/2023). No primeiro, a oposição, que tem se organizado, conseguiu que o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), retirasse trechos polêmicos do relatório, como a criação de uma agência fiscalizadora. A oposição, em uma estratégica articulação, apelidou a agência de ‘Ministério da Verdade’, em referência ao clássico 1984 de Orwell, em que o ministério decidia o que era verdade e o que era mentira. Conseguiram derrubar o trecho do relatório. Ainda assim, contrários ao mérito do texto em sua maioria, bateram em outros pontos, com reforço das próprias big techs, que entraram em campo pressionando pela derrubada do projeto que as regulamenta. Com isso, o deputado Arthur Lira, presidente da Casa, retirou o texto de pauta, receoso de que se fosse para votação, o projeto seria derrotado. Mesmo com a pressão favorável do governo e do Supremo Tribunal Federal, a base governista não conseguiu estruturar votos necessários para a aprovação do texto.

A oposição ganhou fôlego. Porém, a disputa ainda está viva. O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, liberou para julgamento um recurso extraordinário que questiona a inconstitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet, em gesto claro no sentido de pressionar o poder Legislativo a tomar uma decisão sobre o tema, sob pena de ser resolvido pelo Judiciário. O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), em outro gesto de pressão sobre os deputados, afirmou que se a resposta não vier do Legislativo, vira de portarias do Ministério da Justiça e de decisões do Judiciário.

A queda de braço está dada. Tanto para o governo quanto para a oposição, projetos como esse não tratam do tema, apenas. Tratam da capacidade de articulação legislativa e da vontade de converter ideias em política de fato.

Em uma outra votação, no dia seguinte, a Câmara aprovou um Projeto de Lei que suspende trechos de um decreto presidencial que altera o Marco do Saneamento. Um parlamentar influente resumiu o gesto dizendo que projetos aprovados pelo Congresso Nacional não devem ser derrubados pela caneta do presidente, em decisão unilateral. Tais disputas fazem parte do jogo. Até aí, não há anormalidade. O que assustou Lula foi a composição da votação. Partidos como MDB, União Brasil e PSD, que possuem nada menos que nove Ministérios e são da base governista, votaram em peso contra o governo.

Na votação da urgência do tema, que faz com que o Projeto de Lei vá direto ao Plenário, sem precisar passar pela análise das Comissões, foram 322 votos contra o governo. Um deputado conhecido ironizou que por apenas 20 não se atingiu o número de votos necessários para abertura de processo de Impeachment (342). No mérito, a votação foi de 295 a 136. Do PSD, que possui 3 Ministérios no governo, 20 votos dos 42 deputados foram contra o governo, apenas 7 foram favoráveis, os demais se abstiveram. Do MDB, também com 3 Ministérios, 31 dos 42 deputados votaram contra o governo e apenas 1 a favor, os demais se abstiveram. Do União Brasil, com 3 Ministérios, 48 dos 59 deputados votaram contra, apenas 1 com o governo, os demais se abstiveram.

Portanto, em outro recado claro, a Câmara demonstra por A+B que Lula precisa rever sua forma de articular política com o parlamento. O fisiologismo tradicional, em que emendas e ministérios resolvem minimamente o eterno problema de governabilidade em sistemas multipartidários, está se modificando. O custo aumentou muito.

Analistas já falam há tempo que hoje, no Brasil, o Legislativo está muito mais empoderado do que costumava ser. Em outros tempos, vetos legislativos às decisões presidenciais eram praticamente inexistentes. Os parlamentares eram coniventes com o Poder Executivo. Hoje, porém, o cenário é outro, mas Lula insistiu no modelo de governança de seus dois primeiros mandatos. No Senado Federal, a situação do governo é mais tranquila, já que sua base governista é maior e mais estável. Na Câmara, o recado foi claro. Os deputados desejam não apenas as emendas parlamentares para seus projetos regionais, mas também uma revisão de espaços no governo, especialmente nos Ministérios, e maior autonomia legislativa, incluindo maior controle sobre o orçamento.

O ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, responsável pela articulação política do governo, recebeu uma provocação pública do presidente, que afirmou que se o ministro tiver a mesma capacidade de articulação que teve na estruturação do ‘Conselhão’, a ‘vida’ estará muito melhor. Ainda que Padilha reorganize as bases governistas, há uma limitação em sua atuação. A ‘caneta’ é do presidente. Lula, logo no início do governo, reuniu seus ministros e pediu que não fossem tomadas grandes decisões e nem proferidos anúncios sem o aval da Casa Civil, após repercussões negativas de falas de alguns deles. Com isso, Padilha é visto pelos congressistas como alguém capacitado e receptivo, mas limitado nas negociações pela ausência de poder decisório. Lula, portanto, tem de fazer uma escolha. Ou entra de vez nas negociações políticas, trazendo seu capital eleitoral como instrumento de pressão, ou terá de aprender que, na nova dinâmica legislativa, derrotas como essa podem ser recorrentes. Ao menos, o alerta foi percebido.

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