Infinito looping negativo – Murillo de Aragão

Foto: Marcos Brandão/Agência Senado

Em meio a um cenário de pandemia, surto inflacionário, desemprego em alta, crise hídrica e desafios fiscais no Brasil, o 7 de Setembro nos revelou que a maior preocupação do presidente Jair Bolsonaro é com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seria justo considerar que todos os demais problemas do país são menos importantes do que a conduta do ministro? E, a partir daí, pregar a desobediência às leis e às decisões judiciais, estimular bloqueios e invasões de prédios públicos?

Custa crer que um governo que se apresentou como amparado nos valores da disciplina e da hierarquia possa admitir a desordem como solução para impasses institucionais. No entanto, a questão vai mais além.

Pouco antes do 7 de Setembro, conversei com autoridades dos três poderes e expoentes do empresariado. Recolhi informações e impressões relevantes, como a de que não há, por parte dos círculos mais íntimos da República, uma noção clara da divisão de competências entre os poderes. Nem do que realmente sejam as regras do jogo político dentro das “quatro linhas” da Constituição.

Alguns em Brasília vivem em um hiper-realismo sustentado por autoengano e narrativas enviesadas que levam à tomada de decisões erradas, como estimular a desobediência às leis. Parece que sofrem de afasia de Wernicke, distúrbio neurológico que afeta a capacidade da fala a partir da dificuldade de se apreender o que acontece a seu redor. Nas pessoas que sofrem dessa doença as palavras vêm em sequência, mas não fazem sentido. No nosso caso, fazem sentido somente para aqueles que não sabem como o sistema e as instituições funcionam.

Voltando ao ponto inicial, atacar o ministro Alexandre de Moraes sem seguir os ritos causa efeitos amplos e trágicos em toda a nossa sociedade. Os resultados no mercado financeiro pós-7 de Setembro já agravaram o custo da instabilidade e das agendas, com o dólar disparando e a bolsa caindo, investimentos sendo adiados e a credibilidade do país sendo demolida.

Para o governo, tal custo poderá ser fatal. Ainda que não ocorra o desembarque do Centrão do Palácio do Planalto, o custo de apoiar Jair Bolsonaro tem subido exponencialmente. Assim como a possibilidade de que ele seja traído politicamente e, mais adiante, abandonado. Aliás, como se sabe, o apoio entre os políticos é igual ao amor cantado por Vinicius de Moraes: infinito enquanto dure.

Como Brasília não é apenas palco do possível — visto que em política até o impossível acontece —, três cenários, grosso modo, podem se desdobrar após as manifestações promovidas por Bolsonaro no 7 de Setembro. Primeiro: não acontecer nada e a tensão institucional se limitar a escaramuças retóricas. Segundo cenário: ocorrer um agravamento dramático da cena política com Bolsonaro isolado e, até mesmo, inviabilizado. Terceiro: haver uma conciliação de Bolsonaro com a base e o sistema a partir da atuação dos “bombeiros de plantão”.

Nossa democracia não está na UTI. Já o governo Bolsonaro, está a demandar cuidados intensivos. E, apesar de tudo, parece que o presidente ainda não percebeu que está dentro de um infinito “looping negativo”, como disse o presidente da Câmara, Arthur Lira. E levando o país junto com ele.

Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755


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