GT da Reforma Tributária centraliza decisões em Arthur Lira – Análise

Entre as instituições políticas brasileiras, a Câmara dos Deputados é a que mais tem passado por transformações. Nos últimos anos, muito mudou, mas o destaque reside no poder acumulado pelo presidente da Casa, que reduz a capacidade do Palácio do Planalto e dos partidos de influenciar a elaboração das leis. Essa concentração de poder pode ser medida pelo cumprimento, ou não, das regras formais e informais do rito legislativo. Um exemplo claro, que despontou na última semana, foi o modelo de funcionamento escolhido para o Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Tributária.

Foto: Marina Ramos / Câmara dos Deputados

O presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), optou por deixar de lado a deliberação clássica pelas comissões e instalou um novo GT para a análise do projeto de lei complementar do Executivo. Os GTs contam com pouco detalhamento nas regras do regimento interno, o que dá à presidência da Câmara grande margem de manobra, não apenas para definir como será o andamento dos trabalhos, mas, sobretudo, para controlar o resultado.

Cada GT será composto por apenas sete deputados e não haverá relator nem votações para deliberar sobre impasses. O argumento de Lira é que tal formato foi adotado para conferir celeridade à análise, mas diversas dúvidas são levantadas sobre o processo. Questionados pelo OBrasilianista sobre como os embates entre os setores econômicos serão resolvidos, os membros do grupo, ainda confusos sobre como se dará o funcionamento do colegiado, avaliaram que caberá a Lira o papel de mediador. Isso não significa, necessariamente, que o presidente da Casa decidirá todos os pormenores do texto. Mas significa, sim, que ele poderá ter mais influência direta sobre as decisões em temas que lhe parecerem caros.

Mudança gradual

Ainda que não tenha externalizado, a escolha de Lira vem de um longo processo de mudança. Se há alguns anos o padrão era o de que a maioria dos projetos de lei fosse analisada pelas comissões, hoje a maior parte é aprovada em algum tipo de regime de urgência – de forma que os projetos vão diretamente para o plenário, onde quem manda é o presidente da Casa. Isso tem sido observado especialmente na tramitação dos projetos de lei mais relevantes para o país, caso da Reforma Tributária.

A tendência centralizadora vem desde a gestão do deputado Eduardo Cunha (2015-2016), mas passou a gerar maiores conflitos em 2021, quando Lira decidiu dissolver a comissão mista que trabalhava no projeto do que viria a ser a Emenda Constitucional da Reforma Tributária. Insatisfeito com os rumos tomados pelo grupo, o presidente da Câmara deu fim ao colegiado no exato momento em que o relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), fazia a leitura do seu longo relatório, que só não foi totalmente descartado porque um acerto político garantiu, posteriormente, a relatoria de plenário a Aguinaldo. Mas o fato relevante para essa análise é que, após o episódio, a discussão foi transferida novamente para um Grupo de Trabalho.

Aguinaldo Ribeiro – Foto: Fábio Pozzebom / Agência Brasil

Vale aqui uma distinção de modelos. Nas comissões, os líderes negociam as presidências e a composição é definida de forma proporcional. As lideranças podem até mesmo alterar os membros indicados a qualquer momento, para formar maioria para a aprovação de um projeto ou evitar a sua formação. Com certeza é um processo mais demorado, já que exige acordos mais amplos, mas assegura mecanismos claros que podem ser usados pelos mais variados grupos que defendem seus interesses. No GT, nada disso é garantido.

Fontes do governo avaliaram ao OBrasilianista que a composição do grupo é desfavorável ao Planalto, já que os nomes foram escolhidos a dedo por Lira. Nos dias anteriores à instalação do GT, um líder de uma bancada relevante foi questionado pelo portal sobre qual deputado seria indicado pelo partido. Ele respondeu que não estava preocupado com isso. “Quem escolhe, no final, é o Arthur”, resumiu. Pequenos partidos também já reclamam por poderem indicar membros apenas para o segundo grupo, que tratará de questões federativas.

Por ora, o novo formato de trabalho na Câmara pode parecer benéfico às lideranças dos maiores partidos do chamado “Centrão”, que ainda têm influência e se beneficiam das decisões de Lira. Mas o mundo político é dinâmico – um partido que hoje é grande e ganha força a partir de modelos de trabalho mais centralizados pode, em um futuro próximo, depender das ferramentas que dão voz às minorias. E é preciso sempre lembrar que é fácil conceder poder, mas retirá-lo é muito mais difícil.

Foto: divulgação/Arko Advice

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