Covid chega ao varejo

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Em 5 de maio desse ano, a OMS anunciou o fim da pandemia de COVID-19. Eu fiquei particularmente aliviado. Em 2020 contraí a doença e passei vários meses internado, desses 66 dias entubado. Ainda convivo com os efeitos da chamada “Covid Longa”, ou seja, apesar de clinicamente curado, algumas debilidades me acompanham. Esse diagnóstico eu penso compartilhar com algumas empresas brasileiras, as quais, desde a crise pandêmica, nunca se recuperaram propriamente.

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Lojas Americanas é o exemplo mais midiático, mas a derrocada dela não é um fato isolado e apesar da grande repercussão do escândalo contábil, a parte mais intrigante dessa história continua despercebida do debate pública, escondida entre uma infinidade de reportagens sobre as supostas conspiratas de seus executivos.

Como uma empresa centenária, de grande adesão popular, foi capaz do entregar tamanho fiasco financeiro e o que isso diz sobre o mercado de varejo no Brasil?

A verdade é que o varejo é implacável até com os profissionais mais experientes. A margem é muito pequena para um comércio com tantas complexidades. A conferir que, nos últimos tempos, muitas das gigantes do Brasil e nos USA acabaram patinando. A Lojas Americanas, não fosse a suposta fraude contábil (a ser debatida nos tribunais), seria apenas mais uma tentando se organizar entre resultados ruins.

No segundo trimestre desse ano, a plataforma de varejo Magalu apresentou um prejuízo de R$ 301,7 milhões. A plataforma Via Varejo registrou R$ 492 milhões no negativo. No varejo direto, Marisa (-R$ 63,4 milhões), Guararapes (-R$ 17,6 milhões), GRUPO SBF (-R$ 32,6 milhões) e C&A (-R$ 126,3 milhões), são outros exemplos. Cada empresa tem motivos particulares para tanto, é verdade. Ainda assim, podemos encontrar alguns erros que, de um jeito ou de outro, esbarram na atuação de todas elas.

A começar pelo básico. A simples abertura de novas lojas, independentemente do volume de vendas, não acarreta contribuição marginal obrigatória. Em 2021, no auge da crise, foram abertas 204 mil novas lojas no setor. Esse volume representa um grave erro. Abrir uma nova loja traz o risco de represamento excessivo de capital em estoque. Quando esse crescimento (do estoque) não é acompanhado pela rotação dos produtos, a empresa se vê em apuros.

Esse movimento está muito entrelaçado com o financiamento bancário. Nessa semana o Banco Central voltou a baixar a taxa básica de juros. A Selic agora está em 12,75%, altíssima, mas ainda assim em seu menor patamar desde maio de 2022. Tomar dinheiro anda mesmo muito caro. Agora pense que o investimento imobilizado em novas lojas foi financiado a esse elevadíssimo custo.

E tem mais.

No Brasil existe uma cultura importante onde as empresas financiam os clientes em suas próprias compras. Não é difícil encontrar uma loja que permita o pagamento parcelado de um produto banal, como um sapato, em até 24 vezes. Isso obriga o lojista a buscar dinheiro de curto para financiar o seu estoque. Então, quem atua nesse segmento é forçado a exercitar a arte do palpite. Entender o comportamento dos juros confere melhores chances de gerenciar os seus empréstimos.

Mas, como se bem sabe, a futurologia nunca é bom negócio. O empresário que não mudou de postura acabou preso nesse ciclo vicioso. Pegou no curto para cobrir o estoque, esperando uma taxa mais favorável surgir no horizonte, se deparou com um cenário de anomalia. As projeções mais conservadoras deram errado.

Vale lembrar que o endividamento das famílias orbitou a casa dos 70-75%. Portanto, além de tomar dinheiro caro, as empresas pararam de receber em dia e ainda viram as vendas despencarem.

E aí que vem o aspecto mais impiedoso do varejo. Saber gerir o próprio estoque. Por exemplo, quase todo mundo trabalha com linha branca e eletrônicos, certo? E se eu comentasse que a vende da aparelhos celulares deu rasteira em muita gente. Poucos anos atrás, 70% dos usuários trocavam de aparelho anualmente, agora esse percentual é de apenas 20%. A demanda simplesmente caiu durante a crise, paralisando um estoque caro. O preço de um celular, por vezes, é o triplo do que se paga em uma geladeira. Quem apostou alto, se deu muito mal.

Existe uma dificuldade nada desprezível em prever e administrar o próprio estoque. Essas linhas trazem uma margem muito pequena, possuem uma concorrência feroz, e ainda tomam um espaço enorme nas lojas.

Já no e-commerce, o erro está nos centros de distribuição. O mercado acreditava que ter vários centros de distribuição perto dos consumidores seria o nome do jogo. Não é bem isso. Joga melhor que tem o menor número possível de centros, desde que estejam 100% automatizados. E-commerce, em razão da margem ainda menor, não pode ter tanto estoque e nem gerar um custo administrativo elevado. A Lojas Americanas, por exemplo, abriu duas dezenas de centros de distribuição ao mesmo tempo, com isso subiu o volume de produtos estocados. No final, apenas criou mais despesas.

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A meu ver, esses quatro pontos demandam mais atenção do que recebem de empresários e investidores. A crise da COVID-19 apenas reforçou lições antigas do espinhoso varejo. Repito, a Lojas Americanas não entrou em crise por conta da maquiagem contábil, ela fez essa maquiagem porque, muito provavelmente, já estava em crise. Assim como estão seus pares. Na minha visão, diante de tamanha dificuldade, o segmento ainda vai levar uns anos para se recuperar totalmente. Impossível cravar uma data. Mas, já que comentei sobre exercícios de futurologia, o meu palpite vai para 2026. Apenas um palpite.

Por Luiz Cezar Fernandes em colaboração com Humberto Nader

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