Avanços, recuos e modulações

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os movimentos do governo têm sido e continuam sendo previsíveis para os principais atores políticos. As etapas foram cumpridas à risca. Inicialmente, após as eleições, Lula encetou uma narrativa alinhada com seu público, mas desalinhada em relação aos centristas que o apoiaram. Lembrem-se, por exemplo, das idas e vindas de Arminio Fraga. A transição, com mais de 400 pessoas, foi uma festa de feira da uva na qual muito se falou e pouco se ouviu.

A segunda etapa foi montar um ministério desproporcional ao tamanho da representação eleita no Congresso. O objetivo era ocupar espaços para, se necessário, trocá-los por apoio político. Essa estratégia de ocupação é igual a de quem chega cedo ao jantar de gala para reservar os lugares dos convidados que virão depois. A estratégia incluiu inflar a Esplanada com a criação de mais de uma dezena de pastas. Ministérios de placa oficial dos carros pretos, como dizia FHC.

Inteligentemente, Lula deslocou José Múcio para o Ministério da Defesa e desmontou a bomba de resistências institucionais que atrapalhariam o seu governo. A iniciativa não foi compreendida por parte do seu entorno — por desinteligência, preconceito ou ambos. E Lula ainda reservou para si a condução da relação com os militares, a partir do bom relacionamento que cultivou com eles em suas gestões anteriores.

“O que o presidente Lula quer é fazer uma omelete quebrando o mínimo possível de ovos”

O episódio de 8 de janeiro, por seu impacto político e midiático, ajudou o governo, que ganhou uns 45 dias sem ser pressionado por sua fragilidade política. Quando o Congresso reagiu, negando apoio a medidas provisórias, assegurando a manutenção de reformas, defendendo a autonomia do Banco Central e a privatização da Eletrobras, o Executivo sentiu que teria de recuar e abrir espaço no governo ao Centrão.

Marcando a terceira etapa, o recuo vem ocorrendo desde então na chamada “velocidade Pinheiro Machado”, senador do início da República: nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo. Assim, o segundo semestre abre com uma agenda de recuos e de ocupação de espaços pendentes. Não se sabe ainda que espaços serão cedidos nem tampouco quem da base governista sairá no prejuízo. O certo é que partidos que apoiaram a campanha de Lula serão afetados.

O que Lula quer é fazer uma omelete quebrando o mínimo de ovos possível. A arte de ceder espaços em política exige perícia. Em seu primeiro governo, cercado do receio de tudo dar errado e de figuras experientes, como Luiz Gushiken, José Dirceu, Aldo Rebelo, Antonio Palocci e Henrique Meirelles segurando as pontas do BC, o governo cometeu erros graves que resultaram no mensalão.

Agora, a turma que governa mistura voluntarismo, alguma experiência, muita inexperiência e um Congresso muito mais forte e esperto do que o de 2003. Assim, será grande o desafio de agregar apoios, desalojar aliados e abrigar novos aliados. Nesse processo, há uma certeza: o apoio a ser obtido não será integral, já que a reciprocidade do espaço político também não será.

O que favorece o governo é a divisão e a falta de narrativas da oposição. Enquanto isso, a caravana governista passa, construindo as bases para a consolidação de uma elevada popularidade.

Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854

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