Todos sabem que a reforma tributária é mais do que necessária. O Brasil hoje tem um sistema complexo que penaliza o pobre e a produção. Gastam-se horas intermináveis de trabalho apenas para pagar impostos. Nossa carga tributária chega a 34% do PIB. E a contrapartida, como se sabe, não é das melhores. Apesar disso, os sinais emitidos indicam que não há perspectiva de queda da carga tributária em relação ao PIB. E, para piorar o quadro, o marco fiscal, ora em discussão, deve exigir mais 1% do PIB em impostos.
Além da certeza de que a carga continuará alta, a outra convicção é a de que não há um consenso solidificado que permita a aprovação de uma reforma razoável. Existem divergências sérias e entendimentos equivocados sobre o assunto. Um deles é o de que o agronegócio e o setor de serviços pagam poucos impostos. Talvez por se aproximarem de um sistema tributário menos injusto, eles dinamizam tanto a nossa economia. Já a indústria e o consumo, bem como telecomunicações, energia e combustíveis, são dolorosamente sobretaxados.
Mesmo com o empenho de Arthur Lira, presidente da Câmara, e o esforço do deputado Aguinaldo Ribeiro em avançar com a reforma, existem alguns obstáculos que precisam ser contornados. Indo direto ao ponto, quatro grupos relevantes e politicamente articulados estão contra as ideias básicas da reforma. São eles: os governadores, os prefeitos, o agronegócio e o setor de serviços.
Cada um deles tem as suas justificativas e tem meios de obstruir o debate no Congresso Nacional. Governadores e prefeitos não querem perder a autonomia de praticar política tributária. Já o setor de serviços e o agronegócio não querem ser sobretaxados.
“Lula, que deveria estar liderando o entendimento sobre o tema, ainda não apareceu para o jogo”
Em 2021, escrevi — aqui mesmo — uma coluna sobre o tema e propunha uma solução cartesiana para a reforma tributária. Dizia eu que o primeiro ponto é que tudo deve ser questionado. O segundo aspecto é que devemos dividir o problema no máximo de parcelas possíveis para facilitar a solução — começar tratando dos temas mais fáceis da reforma e ir avançando pouco a pouco sobre o que é mais complexo.
A prudência indica que a reforma tributária deveria começar apenas pelos impostos federais e, no passo seguinte, pelos impostos estaduais e municipais. Porém, como disse o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, ainda não combinaram o jogo com os governadores. E também não chamaram os prefeitos que demonstram muita insatisfação. O federalismo parece que ainda não foi considerado seriamente.
Para complicar, uma ofensiva tributária do governo federal no Judiciário tem trazido mais insegurança para o setor privado. Com sucessivas vitórias em embates sobre tributos, o governo aumenta a arrecadação antes da aprovação da reforma. Outro aspecto crítico é que, além de Lira e Ribeiro, apenas a equipe econômica demonstra verdadeiro empenho na questão. O presidente Lula, que deveria estar liderando o entendimento federalista sobre o tema, ainda não apareceu para o jogo. Sem o apoio dos governadores e prefeitos não haverá reforma tributária. Melhor, portanto, seria reduzir o escopo da proposta e, no momento, limitar as mudanças aos impostos federais.
Publicado em VEJA – edição nº 2847