As estratégias equivocadas dos bolsonaristas em Brasília

Já lemos inúmeras análises, crônicas e textos sobre as bizarrices ocorridas em Brasília no dia 8 de janeiro. Enquanto a maioria entende que o comportamento dos vândalos na capital foi digno de prisão, alguns buscam justificar o que aconteceu.

Primeiramente, não há como negar que o show de horrores contou com inúmeros aspectos primários de erros estratégicos, causados por excesso de emoção e pouca racionalidade. Quando Jair Bolsonaro perde as eleições presidenciais, duas linhas de pensamento surgem em paralelo: seu partido, o PL, liderado por Waldemar da Costa Neto, entende que Bolsonaro saiu das eleições presidenciais com um enorme capital político. Mesmo com a derrota, Costa Neto vê em Bolsonaro a personificação de uma liderança de oposição útil e poderosa para conter  o crescimento das alianças que o presidente eleito, Lula, vinha costurando no Congresso. Para Costa Neto, Bolsonaro se posicionaria como líder nacional do PL (e da “direita”, de uma forma mais ampla), montando uma base forte para disputar as eleições presidenciais de 2026, independentemente do nome que lideraria uma chapa. A outra linha é a do próprio Bolsonaro, familiares e aliados próximos, que entendem que é possível
reverter o resultado das eleições com interpretações erradas e particulares da Constituição, levando a cabo o processo que culminaria com uma intervenção militar.

Qualquer aluno de Ciência Política, ou uma pessoa mais esclarecida, entende que essas duas linhas são antagônicas e não se complementam. Para o PL, a derrota nas eleições não era necessariamente uma derrota na longa estrada da política brasileira. Era a fundação de outro projeto. Para Bolsonaro, aliados e seguidores mais emotivos e frustrados, a visão era
outra: não aceitar a derrota de forma alguma, na expectativa que uma fantasia de “Sessão da Tarde” se concretizasse.

Por mais absurdo que fosse, os protestos e manifestações na frente dos quartéis militares tinham um propósito (bizarro, claro), que era a intervenção federal. Qualquer adolescente no primeiro semestre da faculdade de Direito sabia que nada sairia desse objetivo. No entanto, havia um movimento com uma finalidade antidemocrática, diga-se de passagem.

Para o PL, essas manifestações na frente dos quartéis já cumpriam sua finalidade: mostrar apoio popular de um grupo minoritário, porém emotivo, que agregaria à estratégia maior de gerar incômodo ao presidente eleito. Com o início do ano, as principais lideranças aliadas a Bolsonaro entendiam que a mensagem havia sido dada, mas já era hora de mudar os objetivos e abandonar os pedidos antidemocráticos.

É nesse momento que há uma ruptura nas duas linhas. Bolsonaro, até aquele momento, jogou nas duas frentes. Por um lado, estava acertado com Costa Neto como líder do PL e o “rosto popular” do partido. Por outro, não conseguia dar um basta nas manifestações, que já se mostravam problemáticas e estimulavam a abertura de uma caixa de Pandora contra o expresidente.

Bolsonaro poderia estar indeciso, por acreditar que realmente as Forças Armadas fariam algo. Caso isso seja verdade, mostra um brutal erro de compreensão jurídica do país. Bolsonaro poderia estar sentindo que possuía uma “dívida de gratidão” para com os manifestantes, evitando “cortar o barato” deles, ao mesmo tempo que mensagens dúbias e inconclusivas eram interpretadas “messianicamente” como ordens a serem seguidas pelos seus apoiadores. Bolsonaro poderia ter encerrado as manifestações com uma fala clara, mas preferiu não fazer, se baseando na ideia do “vai que cola”.

Os apoiadores na frente dos quartéis eram inflamados a cada dia por meio das mensagens inconclusivas, pelas fake news que circulavam em suas próprias redes e pela frustração de ver datas aleatórias (para o grande dia em que Bolsonaro tomaria o poder) serem atropeladas diariamente pela realidade.

A movimentação em direção a Brasília de milhares de manifestantes que se tornaram vândalos foi de uma estupidez sem tamanho. Os que estavam em Brasília, invadindo e depredando eram apenas as “buchas de canhão”, para patrocinadores e financiadores.

Colocando de lado todo o aspecto dos crimes cometidos, já que isso já foi debatido intensamente, a pergunta que me faço é: qual era a ideia do ganho? O que os financiadores do quebra-quebra esperavam almejar? A finalidade era a própria destruição?

Bem, no fim, a finalidade foi apenas a destruição. Colateralmente, a estratégia estúpida levou a um fortalecimento político de Lula perante várias lideranças políticas, inclusive algumas que eram oposição 24 horas antes dos ataques. Enfraqueceu Bolsonaro a um ponto em que o próprio PL o enxerga como um risco, a partir das investigações que cercam o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF, Anderson Torres. Cercam Carlos Bolsonaro, por conta de um vídeo postado, e logo depois apagado, que acirra a análise do STF sobre o envolvimento de Bolsonaro, além de prejudicar pesadamente a imagem que a
“direita” queria passar para a população.

No entanto, sejamos justos. Não se trata de uma análise sobre “direita” e “esquerda”. A enorme maioria dos vândalos não sabem nada do que é ser direita ou esquerda. Certamente, pouquíssimos gastaram algum minuto lendo Edmund Burke. O que deve ser analisado é a dificuldade que adultos possuem para lidar com frustrações, conhecimento básico sobre o que é uma democracia e o funcionamento eleitoral desse sistema, a fanatização em cima de um político, muitas vezes com demonstrações de amor e lealdade maiores do que as demonstradas para com os próprios membros da família.

Indignar-se com o que não se compreende é um jogo complicado e sem vencedor, pois as regras básicas caem feito surpresas a cada vez que elas não beneficiam ou corroboram um pensamento.

Bolsonaro não saiu de mãos vazias do processo eleitoral, mas a fantasia preparada para relativizar a derrota (urnas eletrônicas) acabou se tornando a única esperança em um jogo que já estava perdido. Isso prejudicou pesadamente seu capital político e o coloca mais próximo do que nunca das investigações criminais.

Finalmente, para aqueles que comparam as justas prisões com “campos de concentração”, saibam o seguinte: a educação brasileira, pública ou privada, falhou miseravelmente para vocês. Não há remota comparacação. Empilhar ossos de milhões de inocentes, crianças incluídas, após sessões de câmaras de gás, onde corpos desesperados se empilhavam na busca de oxigênio, enquanto gases letais corroíam seus órgãos em questão de minutos NÃO é o equivalente a ter o celular tomado pela Polícia Federal. Sofrer mutilações sistemáticas em nome de sádicos experimentos, nos quais partes dos corpos de inocentes (e crianças) eram retirados sem anestesia simplesmente pelo desejo de ver como eles reagem NÃO é o mesmo que ter de dividir o banheiro com várias pessoas.

Para aqueles que se interessam cada vez mais pela política nacional, há um caminho rápido para entender como funciona a democracia. Ela, a democracia, é a arte de saber perder e de se reinventar para a próxima oportunidade, que tem dia e hora marcada. Ganhar na democracia é fácil; perder requer uma maturidade que muitos dizem ter, mas poucos têm.

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