A corda bamba brasileira nas relações exteriores – Análise

O Brasil ocupa posição única na corda bamba no cenário geopolítico global. A sua participação no G20 como país presidente do grupo e, simultaneamente, nos BRICS, como um dos fundadores obriga o país a navegar numa complexa rede de alianças com ideologias e interesses muitas vezes conflituantes. Esta dupla liderança apresenta oportunidades e desafios, exigindo uma diplomacia cuidadosa e um compromisso de defesa dos princípios democráticos na cena mundial.

Foto: Freepik

No G20, o Brasil alinha-se frequentemente com as nações ocidentais, defendendo o desenvolvimento sustentável, a estabilidade econômica e a cooperação nos desafios globais. No G20, por exemplo, o Brasil participou ativamente nas discussões sobre estratégias de mitigação das alterações climáticas, demonstrando o seu compromisso com objetivos ambientais partilhados com o Ocidente. Como uma economia emergente significativa, o Brasil procura afirmar-se como o principal ator global responsável pela transformação energética, promovendo não só a pauta verde, mas o diálogo e iniciativas destinadas a abordar questões como o alívio da pobreza e a liberalização do comércio. Neste contexto, o envolvimento do Brasil com o Ocidente é caracterizado por um compromisso com os princípios democráticos, os direitos humanos e as políticas orientadas para o mercado.

Contudo, o envolvimento do Brasil nos BRICS acrescenta uma camada de complexidade às suas relações internacionais. Os BRICS compreendem Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã, representando uma coligação diversificada de potências emergentes com agendas geopolíticas distintas. Embora os BRICS pretendam promover a cooperação entre os seus membros nas frentes econômicas e políticas, é frequentemente criticado por incluir países com regimes autoritários e registos questionáveis em matéria de direitos humanos, como a Rússia, a China e o Irã.

A parceria do Brasil com estas nações, particularmente a Rússia e o Irã, levanta preocupações sobre o seu alinhamento com regimes que divergem dos valores e normas ocidentais. A tolerância à atividades como a exploração de petróleo, que podem entrar em conflito com as metas de sustentabilidade ambiental defendidas pelo G20, complica ainda mais a posição do Brasil. Além disso, os recentes desenvolvimentos no seio dos BRICS, como a proposta de uma moeda virtual para facilitar o comércio intragrupo e reduzir a dependência do dólar americano, suscitaram suspeitas no Ocidente. Embora as nações ocidentais possam ver isto como um desafio ao seu domínio econômico, a moeda virtual dos BRICS também poderia beneficiar potencialmente a eficiência financeira global, oferecendo taxas de transação mais baixas e tempos de processamento mais rápidos.

Em meio aos seus complexos compromissos internacionais, o Brasil também segue uma forte agenda doméstica focada na sustentabilidade ambiental. O país apresentou vários projetos de lei (PLs) destinados a promover iniciativas verdes, tais como os PLs 528/2020 (Combustível do Futuro), 182/2024 (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa e 914/2024 (Programa Mobilidade Verde e Inovação – Programa Mover).

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Essas iniciativas demonstram o compromisso do Brasil com a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. No entanto, equilibrar estes objetivos internos com os seus laços com os BRICS, especialmente com países com políticas ambientais menos rigorosas, poderia representar um desafio. O Brasil terá de navegar cuidadosamente por estas complexidades para manter a sua liderança tanto no G20 como no BRICS, ao mesmo tempo que defende o seu compromisso com a sustentabilidade ambiental.

O plano de trabalho do Brasil apresentado para assumir a presidência do G20 pode ser algo mais concreto que pode auxiliar na análise e em tentativas de previsões de como atuará o Brasil no âmbito de suas relações internacionais. No final de 2023, o Ministério das Relações Exteriores publicou o plano de trabalho da presidência brasileiro no G20.

Neste documento, uma das alterações que chamam atenção é a retirada da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) da lista de organizações que podem contribuir com a presidência brasileira, restringindo a participação da OCDE a grupos específicos. Por outro lado, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como Banco dos Brics e comandado pela ex-Presidente da República, Dilma Rousseff, foi adicionado como um dos principais colaboradores.

Essa alteração feita pelo governo brasileiro é inédita e pode indicar uma provável inclinação do Brasil para maior aliança com os países dos BRICS e seus aliados. A título de comparação, nem mesmo a Índia, também membro fundador dos BRICS, quando ocupava a presidência do G20 optou por retirar a OCDE das principais organizações parceiras do G20 em detrimento de órgãos do BRICS.

Ainda analisando a posição brasileira perante a OCDE, percebe-se que houve uma mudança de atitude do governo brasileiro após a eleição de Lula. O Brasil formalizou em 2017 seu pedido para ingressar na organização e em 2022, já sob o governo Bolsonaro, recebeu o convite para iniciar os tramites de adesão. Entretanto, com a eleição do atual Presidente da República, aumentou-se a incerteza da entrada brasileira no grupo. Já em 2023, o Brasil deixou de seguir recomendações da OCDE, que passou a ver com preocupação o aumento de gastos do governo federal. Desde então, o processo de adesão do Brasil está parado e não é considerado uma prioridade pelo governo Lula.

Foto: Shealah Craighead/Official White House Photo

Todo esse cenário pode se complicar ainda mais caso os Estados Unidos elegem Donald Trump como presidente em suas eleições de outubro. O candidato republicano é conhecido por dificultar relações dos EUA com estados não alinhados com o Ocidente e as sucessivas decisões brasileiras de estreitar laços com países considerados adversários americanos podem contribuir para uma relação mais complexa entre Brasil e EUA, o que não seria bem-visto por boa parte da população brasileira, pelo mercado financeiro e também pelos países aliados dos americanos.

As implicações potenciais da liderança do Brasil tanto no G20 como nos BRICS são múltiplas e podem levar o Brasil a perder sua posição de neutralidade no cenário internacional, cenário este que até hoje vem sendo positivo para o país. Por um lado, apresenta uma oportunidade para o Brasil preencher a lacuna entre as nações desenvolvidas e em desenvolvimento, defendendo modelos de desenvolvimento inclusivos e sustentáveis no cenário global. Por outro lado, expõe o Brasil à crítica e ao escrutínio pelas suas associações com regimes em desacordo com os interesses e valores ocidentais.

Particularmente preocupante é a perspectiva de os Estados membros dos BRICS contornarem as sanções ocidentais através de iniciativas como a moeda virtual proposta, minando potencialmente os esforços para resolver conflitos geopolíticos e promover a estabilidade internacional, neste caso relembra-se como exemplo as sanções opostas à Rússia após a invasão pelo país à Ucrânia.

O Brasil encontra-se numa encruzilhada, equilibrando os seus compromissos com o multilateralismo, o desenvolvimento econômico e as alianças regionais no contexto de agendas globais divergentes. A navegação nestas complexidades exigirá uma diplomacia cuidadosa, um envolvimento estratégico e um compromisso claro na defesa dos princípios democráticos e dos direitos humanos na cena mundial.

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