Estamos chegando ao fim de um processo eleitoral difícil, com divisões agudas na sociedade e onde a escolha do novo presidente será determinada mais pela negação ao outro candidato do que por uma vontade afirmativa. Ambas as forças políticas chegam ao final da disputa com feridas e rancores por causa de um processo marcado pela dura troca de acusações. É uma situação absolutamente indesejável para uma sociedade plena de desigualdades.
Recentemente, setores da sociedade se manifestaram em favor da democracia. Eles devem prosseguir vigilantes, exigindo respeito à Constituição e moderação institucional por parte dos poderes — sobretudo de diálogo entre eles. Por outro lado, os poderes devem demonstrar contenção sem avançar sobre as competências uns dos outros, respeitando os marcos constitucionais.
No entanto, o quadro que se desenha é o de intensa disputa e grandes desafios. O novo governo sofrerá uma oposição robusta. A polarização de hoje deve remanescer por um tempo. Ademais, outros temas pressionam nossa realidade. O mercado estará atento às questões fiscais.
A inflação desafiará a política monetária e o próprio conceito da autonomia do Banco Central. Os programas assistenciais, necessários e demandados, pressionarão os gastos públicos. Após anos de congelamento, o funcionalismo vai querer reposição salarial.
“Como a política está capturada pela polarização, cabe à sociedade impor a agenda de defesa de interesses do país”
Viveremos uma confluência de demandas, escassez e incertezas. Serão tempos de “quem não chora não mama”. E o Congresso Nacional, como uma espécie de tenda dos milagres, será a Meca dos aflitos em busca de recursos. Nesse clima, dialogar será a chave do sucesso, já que plata no hay para todas as demandas.
O momento exige doses cavalares de prudência e pragmatismo. O que parece se configurar como cenário-base exigirá, seja quem for o vencedor do pleito, empenho e competência em se relacionar com as instituições públicas e privadas para o país poder enfrentar desafios internos e externos.
Além das sequelas de uma polarização raivosa, o Brasil terá de navegar em um mundo tumultuado por fatores econômicos e geopolíticos.
Questões graves como a inflação mundial, a invasão russa na Ucrânia e as incertezas econômicas da China, entre outras, vão nos desafiar. Além de aspectos críticos relacionados à imagem do Brasil no exterior. Enquanto isso, o mundo estará sob o comando de dirigentes fracos e lunáticos, uma combinação perigosa para a humanidade, que exige de nossas lideranças e de nossa sociedade cautela e pragmatismo.
Como a política está capturada pela polarização, cabe à sociedade impor uma agenda pragmática e de defesa dos interesses do país e de seu povo. As escolhas são óbvias, em favor de políticas de desenvolvimento econômico e social com responsabilidade. Mas sem um posicionamento firme da sociedade civil estaremos mal posicionados em um mundo em conflito.
Recapitulando: temos uma política capturada pela polarização e desafios imensos pós-pandemia e decorrentes do conflito russo, além das próprias questões sociais que nos assombram permanentemente. A sociedade civil não deve deixar de participar do debate político após as eleições. Pelo contrário, o momento impõe um engajamento ainda maior e de melhor qualidade.
Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812