A questão do Tibete é um dos pontos mais controversos relacionados à imagem da China no exterior. Sem entrar no mérito, é importante entender por que a China tem um interesse tão grande em manter controle sobre essa província.
O Tibete é a última linha de fronteira com a Índia — antes de entrar a fundo na cordilheira do Himalaia. Os dois rios de maior importância para a China, o Amarelo e o Yangtzé, considerados o berço de sua civilização , nascem nas montanhas do Himalaia. De uma certa forma, o Tibete representa a “caixa d’água” da China.
Assim, por séculos e séculos, a China viu o controle do Tibete como estrategicamente imprescindível para proteger o fornecimento de água para seu território. Entendendo que a Índia é um possível grande rival geopolítico na região, o temor de que esse território fosse controlada pelos indianos fez com que o controle do Tibete sempre representasse algo maior do que simplesmente uma política expansionista.
A China possui uma geografia onde a expansão territorial também apresenta fatores críticos para sua segurança nacional. Controlando o Tibete — e com o Himalaia abaixo –, uma barreira natural separa dois países que contam com quase 1/3 do total dos habitantes da Terra.
No oeste, segurando com mão de ferro a província de Xinjiang, uma imensa planície que faz fronteira com oito países, os chineses têm nas mãos um território que poderia representar uma vulnerabilidade, dada a grande presença ali de não-chineses de religião muçulmana.
Ao mesmo tempo, o controle de outra potência sobre esses países fronteiriços (como a União Soviética teve), colocaria a China em situação de vulnerabilidade estratégica.
Ao norte, a Mongólia serve como uma zona de barreira com a Rússia. Tanto a Rússia quanto a China disputam influência na Mongólia por conta dos recursos minerais abundantes lá encontrados. A migração de chineses da etnia Han para a Mongólia é crescente (apesar de ainda ser baixa em números absolutos) e funciona de forma estratégica para aumentar a influência chinesa. Isso sem falar, obviamente, nos acordos comerciais e investimentos chineses no país.
No nordeste chinês, a Rússia não representa uma ameaça, devido à baixa demografia da região. Uns 7 milhões de russos moram ali frente a 100 milhões de chineses na industrializada Manchúria.
A migração chinesa naquela região da Rússia é alta e possibilita um peso maior para a China nas conversas bilaterais com a Rússia. A dependência comercial russa perante a China é outro fator de desequilíbrio a favor dos chineses.
No sudeste, a China busca controle do Mar do Sul da China, no âmbito do que eles denominam de “linha dos 10 pontos”. Essa perspectiva levou o governo chinês a investir pesado para desenvolver uma marinha poderosa que possa assegurar forte presença na denominada “China Azul”.
Parte da importância dessa operação se dá pela dependência do fluxo de importação e exportação atravessando o estreito de Malaca. Esse estreito poderia ser facilmente bloqueado por uma marinha estrangeira, estrangulando energeticamente a China.
Além do controle do Mar do Sul da China, o país financia — com garantia de 40 anos (renováveis) — a construção do porto de Gwadar, no Paquistão, numa estratégia que anteciparia a chegada de petróleo e de outras commodities sem a necessidade de passar pelo estreito de Malaca.
O controle do Mar do Sul da China e do Mar do Leste da China também garante um fluxo de acesso ao Pacífico sem depender da boa vontade japonesa. Em caso de guerra, o Japão poderia bloquear o acesso chinês ao Pacífico com facilidade.
Tempos de paz sempre são momentos preparatórios para tempos de guerra, mesmo que esses demorem muito para chegar. O hábito chinês de visão de longo prazo torna isso mais claro ao fazermos essa leitura geopolítica regional com a perspectiva deles.
Publicado no Correio Braziliense em 24 de junho de 2020