Policiais e professores se aposentam mais cedo do que os demais por que sua vida laboral é mais penosa do que a de trabalhadores rurais e arigós de obra? Ou tem a ver com seu poder de pressão?
Itamar Garcez *
Tirante os oposicionistas, que mais uma vez preferiram a luta retórica, a maioria dos parlamentares percebeu que a reforma da previdência é um mal necessário. Afinal, as pessoas vão ter que trabalhar mais, desembolsar mais e receber menos.
Não estamos sós no mundo. Outros países enfrentam o mesmo desafio, qual seja, sustentar em casa e sem trabalhar uma população cada vez mais idosa, numerosa e longeva.
Além de diminuir o rombo fiscal brasiliano, a Nova Previdência tem o mérito de encurtar (um pouco) o abismo de desigualdades entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. O ideal, tornar todos iguais perante a lei, é muito difícil, já que juízes e delegados têm poder de pressão maior do que pedreiros e bancários, por exemplo.
Transição diferenciada
Até aqui, a reforma da previdência privilegiou de forma mais visível duas categorias, a de professores e policiais. Por suposição, estes dois grupos têm condições de trabalho piores que, por exemplo, domésticas e arigós de obra.
Parêntesis. Na categoria de policiais enquadram-se os agentes federais e os rodoviários federais, além dos legislativos (que protegem os parlamentares e trabalham em local coberto e com ar-condicionado) e os civis do Distrito Federal (que foram privilegiados porque… bem, porque moram em Brasília, talvez).
Daqui em diante, a maior parte dos brasileiros vai ter que viver até os 65 (homens) e 62 anos (mulheres) para conseguir se aposentar. Professores, 60 e 57. Policiais federais, 55 anos.
Nas regras de transição, também as duas categorias serão beneficiadas. Policiais federais conseguirão vestir o pijama com 53 (homens) e 52 anos (mulheres).
Professores que já estão no mercado poderão deixar as salas de aula aos 55 (homens) e 52 anos (mulheres). Policias federais ganharam outra grande vantagem, inexistente para a maioria dos brasileiros: poderão manter a integralidade e a paridade.
A transição da turma das filas do INSS terá regras menos vantajosas. E não contarão com a paridade, tampouco integralidade – que, aliás, nunca tiveram.
De sol a sol
Como comparação, trabalhadores rurais vão ter que trabalhar até 60 (homens) e 55 anos (mulheres). Porém, seus benefícios são incomparavelmente menores.
Ora, se um policial federal e um professor poderão ir para casa mais cedo, a conclusão é que ambos desgastam-se mais do que o trabalhador rural durante sua rotina de trabalho. Será?
Quanto mais experiente – portanto, mais velho -, mais um professor é valorizado. Tanto segurando o giz na sala de aula, quanto na administração escolar.
Ei, mas o professor não é valorizado. Sim, mas aposentadoria antecipada não deve ser paliativo.
No comando de uma tropa, igualmente a experiência conta. Talvez um policial “idoso” de 53 anos não consiga atuar na linha de frente com o mesmo vigor, mas sua vivência certamente será muito útil no comando da tropa e no trabalho de retaguarda.
Já o trabalhador rural, quanto mais velho, menos rende. Seu trabalho depende de sua força física, que decai com a idade. Noves fora que sua jornada de trabalho é de sol a sol, não tem fim de semana nem feriado.
Iguais, pero no mucho
Estas tremendas diferenças na nova legislação não indicam o fracasso da reforma. Afora a economia indispensável, que deverá ajudar a retomada do crescimento econômico, a distância entre os brasileiros da elite (os servidores) e a patuleia (do INSS) diminuirá.
Além disso, quem conhece política sabe que, sem negociar, mudanças estratégicas como a da previdência não se consolidam. FHC e Lula, que reformaram a previdência, também tiveram que ceder.
As vantagens adquiridas por professores e policiais federais mostram, porém, que ainda estamos longe da sociedade igualitária, aquela de igualdade de oportunidades. Não será desta vez que o dispositivo constitucional “todos são iguais perante a lei” vai sair dos alfarrábios dos jurisconsultos.
Alguns brasileiros prosseguirão sendo mais iguais. Ou, sem eufemismos, a maioria continuará sendo mais desigual.
* Itamar Garcez é jornalista