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Um drible difícil de ser implementado – Análise

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Na última semana, o governo decidiu dar uma nova direção à PEC dos Combustíveis, que tramita no Senado. Inicialmente, a proposta tinha como objetivo permitir o ressarcimento dos estados que reduzissem o ICMS sobre o diesel. Agora, terá como foco a ampliação do Auxílio Brasil e do vale-gás, além da criação de um voucher de R$ 1.000 para caminhoneiros. A mudança de rumos, porém, exigirá do governo um malabarismo jurídico que deve levar a proposta, caso chegue a ser aprovada, ao Supremo Tribunal Federal (STF). O entendimento que prevalece entre especialistas em direito eleitoral e constitucional é que a matéria deve ser interpretada como eleitoreira, comprometendo a constitucionalidade dos auxílios.

A primeira dificuldade reside nas regras fiscais. Só o auxílio aos transportadores de cargas deve demandar R$ 5,4 bilhões, e o custo estimado de todas as medidas contidas na PEC atinge R$ 34,8 bilhões. Ainda que o governo consiga indicar uma fonte de receitas, a regra do Teto de Gastos impediria a criação do auxílio. Há ainda a legislação eleitoral. A Lei das Eleições veda “a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios” em anos de disputa. O objetivo da regra é impedir que o interesse eleitoral leve à adoção de medidas danosas à administração pública e coloque os candidatos que controlam a máquina pública em posição de vantagem desleal.

O governo tenta contornar essa situação escolhendo a PEC como instrumento para alterar a legislação. É o único tipo de proposição que poderia criar mais um drible no Teto de Gastos. Além disso, na hierarquia das leis, uma emenda constitucional está acima das leis ordinárias, no caso, a Lei das Eleições. Se a Constituição permite um gasto, não será uma lei comum que irá proibi-lo, diz a lógica do governo. O fato de a PEC ter partido do Legislativo e não do Executivo também protegeria o presidente Jair Bolsonaro (PL) de eventuais acusações.

Contudo, o advogado especialista em direito constitucional Thiago Pádua, ex-assessor de ministros do STF, lembra que a Lei das Eleições apenas regulamenta itens que já existem na Constituição Federal. “Sendo um benefício, é preciso respeitar o princípio constitucional da isonomia, por exemplo, que obrigaria que ele abrangesse outras categorias que precisam do combustível. A criação do voucher se aproxima bastante do que a Constituição define como abuso do poder econômico e político”, explica Thiago Pádua.

O governo também avalia criar mais uma camada de proteção para si, de modo a indicar que tem autorização para gastar e para convencer a todos de que o drible nas regras fiscais e eleitorais reflete uma situação excepcional. Não há clareza, porém, sobre como isso poderá ser implementado.

Lideranças governistas dizem estar descartada a decretação de calamidade pública, mecanismo adotado durante a pandemia que permitiria mais liberdade de gastos. Seu acionamento depende da ocorrência de desastre natural ou de crise econômica de grandes proporções. Ao longo da pandemia também foi decretada a “emergência de saúde pública de importância internacional”, ferramenta criada em 2005 especificamente para frear a propagação de doenças. Nenhum dos dois casos é passível de ser aplicado agora.

O relator da PEC dos Combustíveis, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), usou a figura do “estado de emergência” para explicar o que seria proposto. Disse que a situação emergencial é caracterizada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, que impacta os preços no Brasil. Bezerra Coelho declarou que ainda não está certo se isso partiria do governo ou do Congresso. Contudo, pode ter se equivocado com os vocábulos jurídicos.

“Estado de emergência” é um termo usado juridicamente para designar dois mecanismos presentes na Constituição: o estado de defesa e o estado de sítio. O primeiro existe para que o país possa reagir a uma “grave e iminente instabilidade institucional” ou a “calamidades de grandes proporções na natureza”. O segundo, deve ser adotado em caso de “comoção grave de repercussão nacional”, guerra ou agressão armada estrangeira. Não parece ser o caso. De qualquer forma, se essas ferramentas fossem usadas, dariam margem a cerceamento de liberdades fundamentais do cidadão.

Portanto, é provável que a ideia do governo não seja utilizar as ferramentas existentes, mas criar um novo mecanismo para driblar as limitações impostas pelas legislações fiscal e eleitoral. Ainda assim correria o risco de enfrentar problemas, já que a Constituição prevê que alterações nas normas eleitorais precisam respeitar o princípio da anualidade, o que vale dizer que não se pode mudar as regras em ano de eleição.

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