Classificado no início do ano pelo Executivo como um dos 35 projetos prioritários para o Brasil, o novo marco regulatório das ferrovias (PLS 261/2018) continua parado no mesmo local em que estava em janeiro: aguardando que haja acordo para que entre na pauta de votação do Senado.
O projeto busca organizar as regras do setor ferroviário e permitir novos formatos para a atração de investimentos privados para o transporte. A principal ideia do texto, apresentado pelo senador José Serra (PSDB-SP), é a criação do regime de autorização para o mercado. Hoje, as ferrovias são de domínio público e só podem ser operadas por um parceiro privado em regimes de concessão ou permissão, via licitação, para construção e exploração de trechos.
Com o novo marco regulatório, não será necessário que o poder público faça um processo licitatório para decidir quem vai operar um trecho ferroviário. Interessados em investir deverão procurar o governo com um projeto de exploração. Como acontece hoje em terminais privados de portos, a União deverá apenas analisar e autorizar o projeto.
“A ideia é permitir que qualquer interessado em construir uma ferrovia possa fazer isso por meio de uma autorização. Vão ser ferrovias construídas e operadas, portanto, em regime de direito privado. Mas, sem, em momento algum, abrir mão da segurança regulatória imprescindível a qualquer atividade estratégica para o País”, destacou o relator da proposta, o senador Jean Paul Prates (PT-RN).
Foco na Pandemia
A expectativa do governo era que o PLS 261/2018 fosse aprovado ainda no mês de março, mas foi adiado e ainda não há previsão para retornar à pauta. O texto ainda deve passar por ajustes, uma vez que o governo federal fez uma série de sugestões ao relator, que devem ser acatadas parcialmente.
O relator Jean Paul Prates disse que, agora, o atraso no andamento do projeto deve-se à escolha da Casa em se focar nas pautas relacionadas à pandemia, mas destacou que o relatório ainda passa por ajustes. “Embora todos do governo estejam envolvidos com a pandemia, estão acessíveis e conversando. Estamos aproveitando o tempo que a gente tem para depurar algumas dúvidas e para trabalhar os desentendimentos que houveram, que não chegam a ser graves, apenas questões políticas e choque de interesses. Mas estamos resolvendo bem”, afirmou.
Alterações no projeto
Após promover audiências públicas, ouvir atores do setor e o próprio Ministério da Infraestrutura, Jean Paul modificou e ampliou o projeto original de José Serra. “O projeto dá segurança e incentivos ao investimento público e privado em novas ferrovias e na revitalização da malha que esteja abandonada ou inoperante. Conciliamos sugestões de operadores, do governo e de usuários. É uma ‘caixa de ferramentas’ para o Estado brasileiro, que lhe garante planejamento e atração para o investimento em ferrovias”, disse Prates.
Mesmo antes das pautas do congresso estarem concentradas em assuntos relacionados à pandemia, algumas discussões vinham travando a tramitação da proposta desde o ano passado. Dentre as principais, as demandas de investimentos das bancadas locais. Havia a solicitação da inclusão de um dispositivo para garantir investimentos no corredor Centro-Leste, trecho que abrange parte dos estados de Minas Gerais e Goiás e chega no porto de Vitória (ES). A sugestão inclui a renovação da concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).
O relator Jean Paul concordou em fazer essa mudança para resolver um conflito entre o governo e as bancadas dos três estados, mas ainda avalia alternativas para os estados não tenham prejuízo com essa outorga. “Estamos conversando com os interessados para evitar que os Estados atendidos sejam prejudicados pelo remanejamento da verba”, esclareceu.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, sugeriu levar os recursos da renovação da concessão para outros Estados, o que gerou conflitos entre Congresso e Executivo, uma vez que a proposta desagradou parlamentares das bancadas de Goiás, Espírito Santo e Minas Gerais, incluindo o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A verba é considerada importante para a manutenção das atividades da mineradora Vale na região.
Valorização de ferrovias urbanas
O projeto aposta na valorização imobiliária advinda do empreendimento, que pode se tornar uma importante fonte de receita para o negócio. O intuito é que sejam criadas empresas de serviços ferroviários e de desenvolvimento urbano para o investimento. De acordo com Jean Paul, a medida reduz os custos nas suas fases iniciais e possibilita aos proprietários ganhos advindos com a valorização imobiliária decorrente da implantação da ferrovia.
“Outra inovação que advém do projeto original é a possibilidade de o poder público instituir contribuição de melhoria decorrente da implantação da ferrovia. Essa receita será arrecadada junto aos moradores de imóveis lindeiros ao projeto e comporá as fontes de financiamento do empreendimento, de forma a reduzir os custos de implantação e, consequentemente, os preços que virão a ser cobrados dos usuários”, explicou Prates.
A proposta também prevê que, para reavivar ferrovias abandonadas ou subutilizadas, o governo poderá fazer um chamamento para saber se há investidores interessados em explorar trechos ferroviários que estão ociosos por mais de três anos. “A partir da aprovação deste projeto, vamos permitir o resgate de estruturas que, até então, encontravam-se ociosas e que devem alavancar os negócios neste setor”, apontou Jean Paul.
A expectativa é que os investidores do setor privado privilegiem trechos pequenos. A duração dos contratos deverá ser de 25 a 99 anos, podendo ser prorrogados por períodos iguais e sucessivos. “O interessado é quem detém a capacidade e o conhecimento para avaliar o período necessário para amortizar os investimentos que se propõe a realizar, bem como é a quem cabe assumir os riscos e avaliar a viabilidade do negócio que propõe”, justificou Prates.
Para obter autorização para exploração econômica de novas ferrovias, ou novos pátios, os interessados devem requerer isso diretamente ao órgão regulador a qualquer momento. O documento deve explicitar o percurso total e áreas adjacentes, assim como o detalhamento da configuração logística, e aspectos ambientais e urbanísticos relevantes.