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Thiago de Aragão: A diplomacia da vacina e o Brasil

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A diplomacia da vacina segue sendo um tema crescente e que não envolve mais apenas China e Rússia. Por produzirem vacinas estatais, esses dois países conseguem direcionar a distribuição para países necessitados dentro de uma ótica que acabará por beneficiá-los a médio e a longo prazo, seja para a abertura de mercados ou a para a consolidação de acordos estratégicos.

Recentemente, os Estados Unidos criaram – via o QUAD, acordo naval militar – um projeto, envolvendo Japão, Índia e Austrália, para distribuir no sudeste asiático vacinas produzidas na Índia com financiamento nipo-americano. Concordando ou não, isso é fazer política externa com base numa construção de estratégia internacional que requereu planejamento, habilidade, iniciativa e foco.

O Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade. Desde o começo da pandemia, o grande foco em relação à covid-19 foi identificar culpados, mas nunca o de criar soluções. Em nenhum momento vimos demonstração de um planejamento estratégico detalhado de compra e distribuição da vacina, bem como de contenção do avanço do vírus. O resultado é algo incontrolável, no qual a forma de tratar continua sendo uma releitura da realidade.

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Além de organizar internamente a melhor forma de contenção do vírus e, principalmente, da distribuição da vacina, o Brasil poderia ter se planejado para também fortalecer sua presença continental, ajudar a trágica questão sanitária de vizinhos e liderar um projeto – interno e externo – de combate à covid-19.

O Itamaraty, ao invés de buscar alianças sólidas, enredou-se em outras irrelevantes, como as feitas com Hungria e Polônia; perdeu então uma grande oportunidade de voltar ao radar da relevância estratégica global, quando poderia ter bem aproveitando os quadros superqualificados da elite do funcionalismo público para um objetivo importante.

Possuímos uma capacidade científica de alto nível, apesar das dificuldades de investimento e de financiamento. Uma leitura estratégica antecipada poderia ter projetado a produção de vacinas no Brasil desde o início. Quase todas as grandes farmacêuticas globais que produziram vacinas possuem brasileiros nos seus quadros de elite. Tanto a Fiocruz quanto o Butantã, além de inúmeras farmacêuticas brasileiras, poderiam ter trabalhado em conjunto, coordenados por um interessado Governo Federal, para produzir vacinas antes da situação fugir do controle. A “certeza” de que a pandemia mataria 800 pessoas no ano, ao invés de 200 mil, fez com que a possibilidade de produzir uma vacina brasileira fosse relevada.

Ao mesmo tempo que o fato de contar com uma vacina com antecedência, alinhada com a compra antecipada de vacinas externas, teria impedido a tragédia a que assistimos, estaríamos entrando num ponto onde a produção da nossa vacina poderia estar sendo distribuída na região, consolidando a posição do Brasil como líder regional por merecimento, e não por auto-intitulação. Por isso que um Itamaraty opinativo de forma construtiva, sendo o único Ministério com capacidade de visão de longo prazo, deveria ter tido um papel mais relevante e menos ideologizado.

A gestão trágica da pandemia, independente da culpa variar mais ou menos entre o Governo Federal ou Estadual, destrói famílias que estão exaustas de esmiuçar quem tem mais culpa. A culpa tende a ser sempre do comandante – lembremos do capitão do navio italiano que abandonou o navio que afundava, sendo mandado imediatamente de volta ao barco por seu superior.

A imagem do Brasil é o que menos importa quando a tragédia perdura e a solução chega de cavalo manco no deserto infinito. Mesmo assim, quando tudo passar, o mundo lembrará que de planejamento nós não entendemos. Isso impactará todas as áreas, incluindo a economia, as relações internacionais, a sociedade etc.

 

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