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Que falta faz um presidente da República

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Os desafios do Brasil eram gigamensos antes do coronavírus. A pandemia, que alcançou o País com a economia em frangalhos, tornou tudo mais difícil. Anticientífico e misólogo, Bolsonaro é o sujeito errado na hora errada para conduzir esta travessia rumo ao século XXI

Itamar Garcez *

 

Vista de perto a situação do Brasil é deplorável sob diversos aspectos – sanitários, econômicos, políticos, sociais. Vista de uma perspectiva temporal mais ampla é desanimadora.

O provável crescimento econômico que advirá em 2021 pode mascarar nossas vulnerabilidades. Economicamente, estamos num abismo fiscal. Politicamente, enquanto não surgir o moderado desconhecido, o Brasil está à mercê de grupos extremos, que catalisam a impulsividade dos eleitores.

Socialmente, assistimos à ampliação da pobreza e da miséria, com o recrudescimento da desigualdade. Para piorar tudo, nossa saúde, graças ao desprezo do Governo Federal com o morticínio, vai mal no que somos experts – vacinação em massa.

A pandemia não estava prevista, e afetou todos os países. O que nos diferencia de outras nações é a economia letárgica e a imprevidência no enfrentamento do coronavírus.

Economias saudáveis vão sofrer um baque, mas, provavelmente, irão se recuperar com maior celeridade. Aqui, se retornássemos logo ao cenário pré-crise voltaríamos à mediocridade. Mas nem isto está à vista.

 

Década perdida? Qual?

 

Nas análises históricas, os anos 1980 são alcunhados de “década perdida”. O jornalista Gustavo Patu mostrou que a década 2011-2020 será pior. Em 10 anos, teremos crescido ridículos 2,2% contra um PIB mundial que expandiu 30,5%.

Neste período, a população brasileira cresceu 8,7%. Ou seja, ficamos mais pobres, pois há menos riqueza para distribuir a mais gente – noves fora nossa indecente distribuição de renda. Para comparação, na “década perdida” o PIB brasileiro expandiu 16,9% e o global, 37,9%.

Este desastre é fruto, em primeiro plano, de inaptidão econômica e soberba política. No pano de fundo, resultado da escolha dos eleitores.

 

Estadista? Quem?

 

Num quadro desastroso como o nosso precisaríamos de um estadista que liderasse o Brasil na travessia dificílima de uma crise múltipla. Muito longe de estadista, o presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de mostrar um rumo ao País no primeiro ano (sem pandemia). Agora, no olho do furacão, revela-se inepto e relapso.

Recordando. Bolsonaro recebeu o País com importantes ajustes conduzidos pelo presidente Michel Temer. Num curto período, este limpou o terreno arrasado pela administração de Dilma Rousseff, que legou a pior depressão econômica da história brasiliana.

Fizesse parte do que prometeu, Bolsonaro teria avançado nas reformas estruturais. Melhorar o perverso gasto estatal (que concentra riqueza e desperdiça recursos), reduzir o estado mastodôndico onde a iniciativa privada é mais eficiente, simplificar o sistema tributário insano e definir as bases para que o Brasil adentre a revolução tecnológica em andamento.

Como se sabe, o capitão-mor não fez nada disso. Perdeu o cabedal que angariou com seus 57,7 milhões de votos. Dispunha no Congresso Nacional de um terreno fértil às mudanças. Na Câmara, o deputado Rodrigo Maia tinha afinidade com os ventos liberais propugnados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

O mandatário desperdiçou o momento de força e boa vontade – o primeiro ano pós-eleição – quando até confisco da sagrada poupança é aceito pelo Parlamento. E por quê? Porque o hodierno mandatário só se preocupa com temas distantes do que poderá nos levar ao crescimento econômico e progresso social.

No presidencialismo centralizador nativo a condução da agenda econômica e política depende da liderança do primeiro mandatário. Lula e Fernando Henrique não precisavam entender dos meandros da economia, mas ditar o rumo à sua equipe e, simultaneamente, arrebanhar apoio político.

Bolsonaro ignorou e ignora os temas que realmente podem tirar o Brasil do atoleiro. O presidente que ora nos governa preocupa-se em afrouxar leis do trânsito, reduzir o rico e singular patrimônio ambiental nativo, atiçar as Polícias Militares, adotar o voto impresso, aprovar o excludente de ilicitude, delir a Lei da Ficha Limpa, facilitar a compra de armas. Sua alienação é tamanha que confundiu, em conversa com apoiadores, o Pix (do Banco Central) com tema da aviação civil.

Em meio a esta agenda distante das prioridades nacionais, o presidente gasta seu tempo forjando adversários, atacando inimigos imaginários e buscando formas de livrar seus filhos da cadeia. Onde fica o combate ao coronavírus? Não fica.

 

Não há alternativa? Será?

 

A atitude do presidente em relação à covid-19 revela, em primeiro lugar, o obscurantismo e o viés misólogo de seu raciocínio. Ao atribuir a tudo que julga nefasto à chamada esquerda, Bolsonaro coloca antolhos na sua já reduzida visão.

Em segundo lugar, sabota seu próprio governo. Como perceberam Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, só a vacina salva. Bolsonaro pode não gostar dela, mas a imunização em massa garantirá o retorno do país à normalidade. Situação ainda longe de ser confortável, pois, depois da aplicação da vacina, o Brasil se deparará, de novo, com sua economia em pandarecos e disfuncional.

Mais do que a evidente inaptidão de Bolsonaro para conduzir um país do porte do Brasil, o que deixa o cenário a curto e médio prazos desalentador é uma multidão de brasilianos persistindo em apoiar um mandatário que conduz o Brasil à incerteza e sem plano de voo. Jogo jogado, pois um contingente de sequazes seguirá Bolsonaro onde ele for.

Mas há, supostamente, quem se oponha à chamada esquerda e, nem por isto, despreze a razão e a ciência. A estes, se não querem extremos, hora de pensar na troca do comando da Nação programada para 2022. Até lá, resta aos demais poderes evitar maiores estragos que, certa e infelizmente, o desatinado capitão-mor irá promover.

 

* Itamar Garcez é jornalista

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