Quando foi apresentada, em 2019, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo foi resumida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em três pontos: desobrigar, desindexar e desvincular. São ideias que tem o objetivo de liberar espaço nas finanças do governo e permitir maior flexibilidade na gestão do orçamento público. Recentemente, essas possibilidades também surgiram como forma de financiar o programa Renda Cidadã, que o governo quer criar para substituir e expandir o Bolsa Família, sem colocar em risco o teto de gastos.
Para que a administração pública seja feita, o governo precisa estimar no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) quanto que vai gastar no ano seguinte. A maior parte da despesa é obrigatória – em 2020, por exemplo, 94% de todo dinheiro que entrou nos cofres públicos já tinha destino definido. Somente os outros 6% podem ser usados pelo governo para investir, em obras de infraestrutura, por exemplo.
“Quando você olha as despesas discricionárias elas reduziram muito. Mas 95% do orçamento está intocado. Nesse cenário o governo tem nenhuma abertura para políticas públicas”, defendeu o economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central em entrevista.
Mas, o que seria a desvinculação?
Essa pouca disponibilidade de recursos acontece porque algumas receitas já entram “carimbadas”, com destino definido. A lei determina, por exemplo, que estados reservem 12% da arrecadação de impostos para a saúde. Para municípios, a obrigatoriedade é de 15%. Já para educação a obrigação é de 25% da arrecadação tanto em esfera estadual como municipal. Logo, desvincular significaria retirar esse direcionamento automático do recurso.
“Na proposta do pacto federativo, o objetivo era juntar os gastos mínimos de saúde e educação de estados e municípios em um único gasto mínimo, não desvinculando totalmente o gasto, mas dando mais liberdade aos entes de gastarem mais com saúde e menos com educação e vice-versa, de acordo com as suas necessidades específicas”, explica Matheus Rosa, pesquisador da área de Economia Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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A desvinculação é o que o governo tentou fazer também com a PEC da Revisão dos Fundos (PEC 187/2019) – uma das três que faziam parte do Plano Mais Brasil. Um dos fundos que estava na mira era o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT). É para ele que são direcionadas receitas provenientes de taxas que incidem sobre a energia elétrica e parte do royalties do petróleo, por exemplo. Posteriormente, o dinheiro é usado para custear pesquisas científicas.
Ao acabar com esse tipo de fundo, o objetivo do governo é redirecionar o dinheiro que entraria neles para outras áreas. Justamente por isso a desvinculação indiscriminada costuma ser criticada: por ter a possibilidade de tirar verba de áreas essenciais, como saúde e educação.
“Desvincular todo no orçamento é acabar com a obrigatoriedade do Estado de dar conta de serviços essenciais, como educação e saúde, da mesma forma que querem fazer com a previdência”, defende Eblin Farage, secretária-geral do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN).
E o que seria a desindexação?
Apesar de ser proposto com o mesmo objetivo, a desindexação é um tipo mais específico de desvinculação.
Existem despesas, principalmente relacionadas a benefícios sociais, que todo ano aumentam por estarem atreladas a índices, como a inflação. Quando aumenta a inflação, também aumentam o salário mínimo e o valor das aposentadorias, por exemplo – ou seja, o gasto e o índice tem uma vinculação. O objetivo dessa relação é que esses benefícios não acabem perdendo o valor na medida que a inflação avança. Nesse caso, desindexar significaria não fazer esses reajustes automáticos.
É o que o governo propôs, por exemplo, para bancar o Renda Brasil – a ideia era desindexar as aposentadorias e a inflação por dois anos. Assim, o valor que iria para o reajuste poderia ser usado para bancar o programa social.
“Desindexar gastos poderia permitir a redução de algumas despesas dentro do orçamento público. Isso poderia auxiliar no comprimento do teto de gastos porque essa despesa teria um crescimento menor, gerando um maior espaço no orçamento”, explica Matheus Rosa, da FGV.
Contudo, o pesquisador faz a ressalva de que o mecanismo precisa ser usado com cuidado: “É importante a gente lembrar que não é um tema consensual e que propostas de desindexação devem ser analisadas caso a caso. São diversos itens de despesa dentro do orçamento público que passam por algum tipo de indexação”, defende.
O que dizem os políticos:
Márcio Bittar defende a desindexação do salário mínimo
O senador Márcio Bittar (MDB-AC) é o relator da PEC do Pacto Federativo. Ele defende que o salário mínimo seja desindexado por dois anos. Ou seja, deixe de ser corrigido com base na inflação.
“Da onde vai tirar dinheiro para o Renda Brasil? Não tenho problema de assumir a desindexação. Tem vários países no mundo que já fizeram isso. A indexação é algo de viés esquerdista, daqueles que acham que o Estado tem que interferir nesse nível. Vem sempre embalada com frases bonitas”, disse ao jornal Valor Econômico.
Paulo Guedes defende a desindexação total
Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, todos os elementos do orçamento deveriam ser desindexados.
“Nós íamos desindexar tudo. Mantivemos indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários [na PEC do Pacto Federativo] a pedido do presidente Bolsonaro”, disse Paulo Guedes em entrevista coletiva concedida em novembro de 2019.