Publicada há 10 anos, a Lei da Ficha Limpa marcou o país ao mudar os parâmetros das eleições e rebalancear o cenário político brasileiro. A regra impede que políticos condenados em processos criminais em segunda instância possam concorrer a cargos públicos por 8 anos. A mesma norma vale para quem teve o mandato cassado ou renunciou para evitar perder o cargo público.
Para se ter uma ideia do impacto da lei, só nas últimas duas eleições, de 2016 e de 2018, 2.285 pessoas tentaram disputar mas foram impedidas pelos tribunais eleitorais por estarem com a “ficha suja”. A informação é do banco de dados abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Entre esses mais de dois mil candidatos, que acabaram de fora da administração pública por 8 anos, estão nomes famosos da política brasileira. O exemplo mais lembrado aconteceu durantes as eleições de 2018, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mesmo presidente que sancionou a criação da Lei da Ficha Limpa, teve que ceder o lugar para outro candidato do PT.
“Os dez anos da Lei da Ficha Limpa são muito importantes tanto pelo sucesso da mobilização social que determinou sua aprovação quanto pelos resultados alcançados em sua vigência”, avalia o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso.
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Marco na história do Brasil
Para o ex-juiz Marlon Jacinto Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, a regra mudou a forma de funcionamento da política brasileira. “A legislação anterior era muito ineficiente. O resultado da nova lei foi que milhares de pessoas ‘ficha suja’ já foram barradas, inclusive para os cargos mais altos do país. Isso foi muito importante para criar um novo momento de reflexão sobre a importância da lisura na coisa pública”, explica.
Porém, na avaliação de Marlon, a maior mudança trazida pela lei foi cultural. “Além dos efeitos jurídicos, nós introduzimos um efeito político e social ao aumentar a importância da análise da vida pregressa dos candidatos, o que antes tinha pouca importância. Então a lei tem esse duplo aspecto: foi um novo marco normativo, muito mais eficiente, ao mesmo tempo que tem um significado simbólico muito representativo”, avalia o juiz.
O ministro do TSE, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, avaliou em entrevista que a nova lei gerou efeitos em todos os níveis da Federação.
“Essa lei estabeleceu um novo patamar, um novo padrão de moralidade, não só política, mas também moralidade administrativa. Ela teve reflexos na esfera federal, mas também nos âmbitos estaduais e municipais, já que as unidades da federação baixaram lei e decretos impedindo a ocupação de cargos públicos por pessoas que tivessem erros em sua vida pregressa”, avalia.
Espaço para melhora
Para além dos benefícios trazidos pela lei, juristas defendem que há espaço para que ela seja aprimorada. É o caso de Ângela Cignachi, Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral. “É evidente que a lei gerou uma melhora na qualidade dos nossos candidatos. De um modo geral, ela afasta as pessoas que poderiam causar dano à administração pública. Para o político, 8 anos sem poder ocupar cargo público é uma eternidade. Mas ela não é uma lei perfeita”, analisa a especialista.
Para a advogada, a lei precisa ser melhorada para evitar punições excessivas. “Apesar do STF entender que essa inelegibilidade não é uma sanção, no meu entender ela é sim uma sanção porque você restringe a capacidade eleitoral passiva, que é um direito fundamental do cidadão. Por isso, algumas hipóteses de inelegibilidade que a lei prevê são excessivas, podendo passar dos 8 anos”.
De acordo com os dados do TSE, apesar das eleições ainda estarem no início, neste ano seis candidatos já tiveram a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, sendo dois em Minas Gerais, dois no Rio de Janeiro, um em Goiás e um no Mato Grosso do Sul.