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“Os congressistas não estão dispostos a brigar por privilégios”, avalia Tiago Mitraud, presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa

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Em entrevista ao O Brasilianista, deputado Tiago Mitraud (NOVO-MG) avaliou que apesar de incompleta, a PEC apresentada pelo governo dá aval para que Congresso discuta o tema com profundidade

Para o presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, deputado Tiago Mitraud (NOVO-MG), existe clima político no Congresso para a expansão da reforma administrativa para os servidores atuais. A proposta apresentada pelo Executivo na última semana propõe uma reestruturação de carreiras de modo a “corrigir distorções” nas carreiras dos novos servidores públicos. Já Mitraud defende que esses privilégios deixem de existir também para antigos servidores. “Não acho que é do Brasil de hoje defender férias de 60 dias e licenças-prêmio. Para defender isso, precisaria de um espírito corporativista muito forte. Acho que muitos congressistas não estão dispostos a comprar essas brigas por privilégios”, avalia o deputado, que comemorou a apresentação da proposta, mesmo que ainda incompleta. “O ótimo é inimigo do bom”, defendeu, em entrevista ao O Brasilianista.

Além de expandir as mudanças para os servidores atuais, Mitraud também adiantou que vai sugerir alterações na proposta de emenda à Constituição (PEC) para que os membros de poder também sejam atingidos. Com isso, também podem ter benefícios reduzidos os juízes, desembargadores, ministros, promotores e procuradores, além de governadores, prefeitos, deputados e vereadores. Ele avalia que a manutenção do congelamento de salários pela Câmara, em votação no mês passado, foi um sinal de que os parlamentares estão dispostos a votar medidas impopulares. “A gente viu uma movimentação muito grande para que não se permitisse que houvesse aumento para servidores no meio da pandemia”.

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Outra mudança que o parlamentar planeja sugerir é no trecho do projeto que aumenta os poderes do presidente. “Em linhas gerais eu concordo com o que foi colocado, mas tem um aspecto específico que precisa ser revisto, que é o poder de extinguir entidades, autarquias e instituições. Isso eu acredito que precisa realmente ser feito por projeto de lei, não por decreto”.

Mitraud também disse que vai reunir parlamentares para pedir ao Judiciário que implemente uma reforma administrativa interna, assim como fez a Câmara. “Estamos planejando de, passada a transição no STF, que vai acontecer neste mês, que a gente vá conversar com o ministro Luiz Fux sobre esse assunto”, adiantou.

Confira a entrevista completa:

 

O Brasilianista: Alguns especialistas avaliaram que a proposta da reforma administrativa foi mais tímida do que o esperado. Você concorda?

Tiago Mitraud: A gente tem que ter clareza de que a reforma administrativa não é como a tributária ou previdenciária, que você resolve tudo com uma PEC só. Quem estava mais por dentro das discussões tinha clareza que não ia ser um texto só que ia resolver tudo. De certa forma eu já estava com a expectativa alinhada que o plano do governo era fazer a reforma em algumas ondas. Se você olhar essa primeira PEC separadamente, realmente tem mais coisa pra resolver do que foi proposto. Por outro lado, temos clareza que é só um primeiro passo. Mas acho que foi um primeiro passo importante. O governo estava enrolando bastante para enviar esse reforma, então estou mais satisfeito com o envio dela, que vai permitir o trabalho no Congresso, do que insatisfeito por ela não ser completa. 

O Brasilianista:  Muitos pontos ficaram para ser definidos posteriormente, por meio de projeto dele.A falta dessas definições não pode fazer com que o projeto como um todo comece a valer muito depois?

Tiago Mitraud: Nós estamos aguardando essa reforma há 20 anos. Desde 1998 que não se trata disso. Estou naquela linha de que “o ótimo é inimigo do bom”, ainda mais em um governo complicado como esse, em que o presidente não tem convicção da reforma. É como uma reforma de uma casa: agora estamos reformando a cozinha, mas depois vamos para a sala, para o quarto, para o banheiro. Entendo essa preocupação – se a reforma acabar nessa PEC, realmente deixa a desejar. Mas sendo essa PEC um primeiro passo de várias mudanças, ela é importante.

O Brasilianista: Como a reforma vai ser apresentada de forma fatiada, não corre o risco das etapas seguintes terem a discussão contaminada pelas eleições, principalmente na questão das carreiras típicas de estado?

Tiago Mitraud: Em relação às eleições municipais deste ano, eu acho que essa PEC vai precisar de mais tempo para ser aprovada. Essa discussão realmente deve acontecer – todo mundo vai querer se considerar “carreira de estado”. As eleições acontecem daqui a dois meses e meio, então acho irreal que o projeto sido aprovado nesse prazo. Acredito que neste ano deve passar na Câmara, no primeiro semestre do ano que vem deve passar no Senado e, aí sim, no segundo semestre de 2021 a gente deve discutir essa questão das carreiras de estado.

O Brasilianista: A preocupação que vem sendo demonstrada é, na verdade, de que a tramitação atrase a ponto de se aproximar das eleições federais, em 2022.

Tiago Mitraud: Certamente, se a gente deixar isso se prolongar demais, seria um problema. Acho que é uma solução que precisa ser dada no ano que vem.

O Brasilianista: No mesmo dia em que a proposta de reforma foi apresentada pelo Executivo, a Câmara dos Deputados também apresentou uma reforma interna. Você acredita que isso pode pressionar o judiciário a também fazer uma reforma?

Tiago Mitraud: Espero que sim. A Câmara lançou ao mesmo tempo que o Executivo sua reforma interna, o que foi um sinal bem positivo. Acredito que isso possa inspirar o Senado e o Judiciário a fazerem o mesmo. Se todo o país entrasse no modo de atualização de carreiras e estruturas, teríamos um poder público bem mais enxuto do que temos hoje.

É um trabalho que vamos desenvolver na Frente Parlamentar da Reforma Administrativa. Estamos planejando de, passada a transição no STF, que vai acontecer neste mês, que a gente vá conversar com o ministro Luiz Fux sobre isso.

O Brasilianista: O projeto apresentado pelo Executivo dá poderes ao presidente e tira prerrogativas do Congresso. Várias ações que antes precisavam de lei vão poder ser feitas por meio de decretos. Isso pode gerar polêmica no Congresso e acabar esquentando o debate? Pode atrapalhar a votação?

Tiago Mitraud: Tem um aspecto relevante do que foi proposto que realmente faz sentido. Hoje é muito burocrático para o Executivo mexer na estrutura dele mesmo. Definir, por exemplo, se uma secretaria vai estar no “Ministério A” ou no “Ministério B”. Esse assunto não devia ser discutido no Congresso. A gente tem que fiscalizar a execução e o resultado, não exatamente o meio que o governo vai adotar nesse sentido. Em linhas gerais eu concordo com o que foi colocado, mas tem um aspecto específico que precisa ser revisto, que é o poder de extinguir entidades, autarquias e instituições. Isso eu acredito que precisa realmente ser feito por projeto de lei, não por decreto. Mas tirando esse ponto, que foi um certo exagero, eu acredito que temos que dar mais autonomia para o Executivo mesmo.

O Brasilianista: Na última vez que conversamos, você falou que, dada a situação fiscal que vivemos, a reforma administrativa precisaria ser bastante ampla e atingir também quem já está no serviço público. Acabou que a reforma apresentada não tocou nisso. Você vê na Câmara algum plano para aumentar a abrangência da reforma?

Tiago Mitraud: Eu vou trabalhar para isso. Aquelas vedações a férias de mais de 30 dias, aposentadoria compulsória como punição, eu acho que tem que valer para todos. Não tem razão fazer somente para novos servidores. É um ponto que vamos trabalhar para mudar no Congresso. Inclusive, também acho que a reforma tem que valer para membros de poder.

O Brasilianista: São pontos difíceis de votar no Congresso. Não vai ter muita oposição?

Tiago Mitraud: Vai. Mas se a gente analisar a reforma da previdência, não houve tanto lobby do judiciário. Não teve aposentadoria especial para juiz como eles gostariam. Como sempre, eles vão trazer os pleitos, mas não me parece que é uma força tão grande como já foi no passado. Temos espaço agora para dar uma equalizada maior.

O Brasilianista: Mesmo para expandir a reforma para servidores atuais?

Tiago Mitraud: Mesmo essa mudança. A manutenção do veto de congelamento do salários dos servidores foi bem didático pra mim. A reação que a população teve, quando foi derrubado no Senado e mantido na Câmara, a gente viu uma movimentação muito grande para que não se permitisse que houvesse aumento para servidores no meio da pandemia. E não estamos falando de retirar direitos, mas sim de corrigir distorções e retirar privilégios. Não acho que é do Brasil de hoje defender férias de 60 dias e licenças-prêmio. Para defender isso, precisaria de um espírito corporativista muito forte. Acho que muitos congressistas não estão dispostos a comprar essas brigas por privilégios.

O Brasilianista: O que mais o Congresso deve tentar alterar nessa PEC?

Tiago Mitraud: Outro ponto que eu gostaria que estivesse presente é a exigência de processo seletivo para cargo comissionado. Acho que deveria estar nessa PEC.

O Brasilianista: Isso não deixaria muito rígida a contratação de comissionados? O objetivo desse tipo de contratação não é de tornar o processo mais simples?

O problema é a quantidade de cargos comissionados que temos no Brasil. Se nós fossemos como a Inglaterra que muda o governo e só troca cerca de 200 pessoas, seria uma coisa, mas aqui no Brasil são mais de 6 mil cargos comissionados só no Governo Federal. Não faz sentido ter tantos cargos comissionados assim. Acho que uma solução intermediária é exigir que pra médio e baixo escalão você tenha critérios mínimos para quem for ocupar esse cargo.

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