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Marco do saneamento ajuda, mas não resolve questão ambiental para investidores estrangeiros

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Recentemente, cada vez mais investidores estrangeiros estão colocando a questão ambiental no Brasil como um dos muitos pontos preocupantes e negativos na hora de pensar em trazer seu dinheiro pra cá. A preocupação ambiental por parte de fundos e bancos é algo relativamente novo. Não quer dizer, necessariamente, que todos estão de fato preocupados com o desmatamento, a poluição etc. (apesar de termos, certamente, fundos genuinamente preocupados com essas questões), mas envolve também o aspecto de reputação e de imagem do país perante consumidores e a comunidade internacional.

A nebulosidade criada por ações e narrativas confusas e incompletas por parte do governo brasileiro, aliada a políticas públicas controversas e negativas, prejudica a imagem do Brasil e a confiança de que algo de bom pode ser feito em relação ao meio ambiente do país.

Nessa semana fiz vários calls com alguns fundos dos EUA e com outros do Reino Unido falando novamente sobre o PL 2633/2020, medida que incentivaria a ocupação de terras públicas na Amazônia. Esse tema foi agravado ainda mais após 29 fundos de investimentos assinarem uma carta destinada a algumas embaixadas em Brasília, demonstrando receio e descontentamento em relação à política ambiental do governo, a essa medida em específico e ao empecilho político que isso pode gerar em seus países para que seus investimentos tenham o Brasil como destino.

Além dos fundos que assinaram a carta, a preocupação se expande para fundos que não assinaram a carta. Existem diversos projetos de fundos não signatários associados a fundos mencionados na carta, situação que gera um desconforto entre eles, além de uma soft pressure para que esses fundos adotem visões mais sustentáveis para seus investimentos.

Fundos ESG movimentam US$ 12 trilhões nos EUA

Os fundos ESG (Environment, Society, Governance) estão crescendo cada vez mais nos EUA e na Europa. Muitos demonstram interesse no Brasil. Esses fundos não possuem investimentos em empresas que geram algum impacto negativo em uma das três áreas mencionadas. Nos EUA, são fundos que movimentam US$ 12 trilhões e estão crescendo cada vez mais. Para eles, o Brasil é uma oportunidade incrível e, ao mesmo tempo, temerário, por conta da percepção que possuem do governo e de medidas como a PL 2633.

Os fundos europeus com quem conversei demonstram uma preocupação maior com desmatamento e sustentabilidade de produção. Nos EUA, a questão da emissão de carbono foi ressaltada com mais ênfase.

A partir dessas conversas, falei com alguns representantes de alto escalão de alguns governos na Europa e nos EUA. Muitos reconhecem que algumas empresas e fundos possuem uma visão muito simplista sobre os problemas da Amazônia, principalmente porque a preocupação primordial é de risco reputacional. No entanto, mesmo uma visão simplista não foge de aspectos reais e preocupantes. “A percepção negativa tem sempre um fundo de verdade”, disse um chefe de pesquisas de um fundo tradicional que investe no Brasil há 15 anos.

Lei do Saneamento não é uma vitória ambiental automática

A aprovação da Lei do Saneamento na noite de quarta-feira não foi imediatamente reconhecida por alguns desses investidores como uma vitória ambiental. Com expectativa de gerar até R$ 700 bilhões com o marco do saneamento, existe a confiança de que as regras para investimentos privados venham acompanhadas por um robusto código legal em relação ao meio ambiente. Além disso, só o fato de se abrir a condição de melhorar o saneamento num país como o Brasil pressupõe uma forte possibilidade quase que imediata de melhoria nas condições de poluição de rios, solo, lagos etc.

Mesmo assim, apesar de indiretamente a Lei do Saneamento poder gerar um efeito positivo no meio ambiente, a percepção geral do investidor estrangeiro é de que faltam políticas públicas e narrativas mais bem estabelecidas em defesa do meio ambiente. Do ponto de vista econômico, o risco de diminuição de aporte e capital existe e, apesar dessa diminuição ainda ser relativamente pequena, certamente aumentará. Dentro dessa lógica e da linguagem econômica, países e empresas engajadas com a preservação do meio ambiente também devem trabalhar em busca da definição de parâmetros de incentivos para produtos sustentáveis.

Pesquisa vai apontar risco ambiental no Brasil como barreira a investimentos

Quando menciono países, ressalto que a questão ambiental gerará impactos econômicos grandes para o Brasil na ótica de acordos comerciais. Holanda, Alemanha e Áustria, por exemplo, colocam imensas barreiras na aprovação do acordo União Europeia – Mercosul por conta das políticas ambientais brasileiras. Um país escandinavo está para publicar uma pesquisa com dezenas de empresas onde o risco ambiental no Brasil é considerado uma das principais barreiras para se investir no país.
Conversando com um representante de um desses governos europeus, mencionei o papel da educação do gestor público local em áreas severamente afetadas pelo desmatamento e garimpo ilegal. Para muitos desses gestores, com um baixo índice educacional sobre o tema, o desmatamento e a ilegalidade foram assimilados como fatores necessários para a sobrevivência econômica daquela municipalidade. Um plano de educação em economia sustentável, assim como incentivos econômicos e tributários se mostra necessário.

Notadamente, o mérito da preocupação ambiental com a Amazônia é claro e absoluto. Devemos observar também que certas bandeiras levantadas em alguns países trazem um elemento protecionista por trás. Apesar de existirem selos de procedência sustentável, há uma necessidade urgente em internacionalizar e padronizar o reconhecimento de um produto sustentável. Ademais, nada disso adianta se o pequeno produtor não for educado sobre o tema fazendo-o compreender vantagens e desvantagens de trabalhar de certa forma a garantir a qualidade do seu produto saído do interior do Amazonas para um restaurante em Bordeaux.

A padronização do selo de sustentabilidade deve se sobrepor ao protecionismo se a preocupação ambiental for de fato maior que a preocupação econômica. Em alguns países europeus, por exemplo, não há necessidade de manter vegetação nativa na propriedade, a matriz energética tende a ser mais poluente do que no Brasil e o gado usa mais ração e menos pasto.

Fiscalização in loco e politização do tema evaporada

O investidor estrangeiro está correto em reavaliar seus investimentos no Brasil por conta das políticas públicas, trato e narrativas ambientais. Assim como países europeus também estão corretos em expressar receio. Para que a própria preocupação seja sustentável, a produção sustentável deve ter padrões definidos em todos os países engajados, a educação sobre o tema também, assim como os benefícios econômicos (e ambientais) devem estar claros para o produtor. A fiscalização in loco deve ser implacável e a politização do tema evaporada.

Um gestor de um dos maiores fundos ESG dos EUA ressaltou a importância da padronização internacional do selo de produtor sustentável: “Temos dinheiro e temos interesse. Mesmo que um produtor seja pequeno, várias cooperativas cresceram com aporte financeiro de fundos como o meu”.

Existem alguns critérios para a escolha do aporte de um fundo ESG em uma empresa. Fatores como uso de energia, poluição, cuidado com recursos naturais, emissões tóxicas e compliance com regras governamentais, entre outros. “Quando as regras governamentais mudam e se flexibilizam a ponto de beneficiar o infrator, toda a corrente de comportamento de uma empresa precisa ser revista. O legal não é necessariamente o moral. Pode ser feito, mas não recebe meu dinheiro”, disse esse mesmo gestor.

O Brasil sabe a receita do bolo, por mais complicada que seja. Fiscalizar maciçamente, punir infratores, abandonar políticas públicas que não equilibram curto e longo prazo e educar o produtor. Países (principalmente os europeus) também: adequar as expectativas sustentáveis que possuem sobre o Brasil em seus próprios países, colaborar na expansão do conhecimento e na gestão sustentável e incentivar economicamente quem assim produz. O investidor é passageiro das percepções. A demonstração de avanços, melhora nos índices estatísticos de desmatamento, políticas públicas sensatas deixam todos aliviados e satisfeitos. Isso aumenta o desejo, interesse e razão para alguns desses fundos investir no Brasil.

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