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Coronavírus: a lição vem da Itália, não da China

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Nos últimos 50 dias observamos com curiosidade e crescente preocupação o avanço do coronavírus – COVID19 — na China. Vimos a forma como o governo chinês vem sendo implacável na tentativa de contenção e, mesmo assim, não consegue frear a epidemia. Até onde sabemos, 100 milhões de pessoas foram colocadas em quarentena forçada em suas casas. O trânsito de pessoas em zonas afetadas, principalmente na província da Hubei, passou a ser estritamente controlado, fábricas, comércio e escolas foram fechados, e , após ensaiarem uma abertura, foram obrigados novamente a fechar.

A China, por conta do seu regime político de governo, pode impor regras à população como nenhuma democracia do Ocidente teria condições de fazê-lo. Forçar indivíduos à internação, impor quarentenas em vilas e cidades inteiras são providências que seriam inviáveis na Europa, América do Norte e em parte da América Latina.

Tudo o que estamos aprendendo sobre a forma de lidar com o vírus estava sendo derivado do modus operandi chinês. Na última semana, assistimos ao avanço do vírus na Coreia do Sul e no Japão. Nesses dois países, erros cruciais foram cometidos pelo fato de que como governos democratas que são, esses países não adotam a coerção e a força como forma de contenção social.

Sabemos que a China possui dois modelos de desenvolvimento regional. O litoral é rico, cosmopolita e mais internacionalizado. A infraestrutura é boa e a oferta de hospitais, acima do sugerido pela Organização Mundial da Saúde. O interior do país é menos desenvolvido, possui ilhas de urbanização acelerada, menos contato com o mundo exterior e, naturalmente, menos infraestrutura. A Província de Hubei, onde o surto começou, ainda tem (apesar da construção acelerada de hospitais) menos leitos disponíveis do que a maioria das cidades litorâneas. Por conta da falta de capacidade de tratamento, deficiência na oferta de kits de detecção, o surto cresceu violentamente em Hubei. Mesmo com todo o esforço e métodos específicos para impedir uma disseminação maior do COVID19.

Essa semana o mundo foi surpreendido com o crescimento rápido e surpreendente da doença em Milão, principal cidade industrial italiana. Até o momento em que escrevo, 283 casos e 7 mortes forma confirmadas na Itália. Máscaras já estão em falta na maioria das cidades. O carnaval de Veneza foi cancelado e voltou a ser confirmado, após pressão das autoridades e comerciantes locais. Porém, os últimos dois dias da festa acabaram cancelados.
A Itália possui pouco mais de 3 leitos hospitalares por mil habitantes, segundo a OCDE.

Esse número é inferior ao da China e similar aos números da região de Hubei. Mesmo com um sistema público de saúde mais desenvolvido que o brasileiro, estima-se que a capacidade seja inferior à demanda caso o vírus ganhe proporções amplas e contínuas. Assim como no Brasil, a Itália possui regiões altamente desenvolvidas (que mesmo assim apresentam dificuldades de organização ) e zonas com graves problemas sociais, onde as dificuldades descritas acima são acentuadas. No Brasil, o número de leitos por mil habitantes é metade do disponível em Hubei.

Até o momento, o governo italiano determinou uma quarentena em 12 cidades, afetando a entrada e a saída de 100 mil pessoas dessas cidades. A manutenção da quarentena por semanas seguidas será o grande desafio ocidental. A forma como os italianos irão tratar dos contaminados e dos suspeitos será imensamente mais educativa para o Brasil. A China não poderia ser parâmetro de combate ao vírus para nosso país, já a Itália, sim, e isso nos dirá muito sobre nossa capacidade de organização preventiva.

Enxergamos ainda um problema inverso ao demonstrado na China. Há relatos de inúmeros cidadãos chineses receosos de apresentar sintomas perto de autoridades para não serem internados compulsoriamente, o que ajudou na propagação da doença. Já na Itália e em outras democracias ocidentais, o efeito pode ser o contrário. Inúmeros cidadãos com o menor dos sintomas (ou sem nenhum sintoma) irão apresentar-se em hospitais, criando um potencial caos de gestão hospitalar. No caso do Brasil, onde a dificuldade do SUS em tratar o fluxo normal de pacientes já é alta, imaginemos uma situação de pânico por eventual contaminação.

O governo italiano cancelou vários eventos públicos em todo o país. Mesmo afetando a economia, poderá chegar um momento no qual governos latino-americanos terão de tomar atitudes semelhantes. O país também está aplicando multas pesadas a qualquer pessoa que entre em áreas restritas da cidade sem nenhuma necessidade urgente. Vários trens para países fronteiriços estão sendo suspensos. Escolas e lojas cerraram portas, somente farmácias permanecem abertas. Em supermercados de Castalpuserlengo, controles estão sendo colocados para que seja permitida a entrada de grupos de 40 pessoas de cada vez.

Vamos aprender com os erros cometidos: o Japão admitiu que errou ao liberar algumas pessoas do cruzeiro Diamond Princess sem o devido controle. Na Itália e em toda a América Latina poucos países fizeram estoques nos últimos 50 dias, apesar de serem bombardeados todos os dias com imagens e notícias do que ocorria na China. Além de erros, campanhas de desinformação confundem pessoas e aumentam o potencial de pânico. No Peru, por exemplo, jornais e governo precisaram explicar que o coronavírus não pode ser evitado apenas com alho ou, pasmem, cocaína.

A função da Embaixada brasileira em Roma e do Consulado em Milão passa a ser estratégica para o Brasil aprender com os acertos italianos e corrigir a tempo procedimentos equivocados. Erros estruturais, como hospitais públicos sem condições, esses não serão corrigidos tão cedo. Infelizmente.

 

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