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A Reforma Tributária é um problema ou uma solução?

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A reforma tributária, demanda antiga dos agentes econômicos e sociais, ganhou impulso no Congresso Nacional, menos em função do conteúdo e mais em razão da disputa dos presidentes da Câmara e do Senado pelo protagonismo sobre o tema, especialmente diante da inércia do governo federal, que não se entende internamente a respeito do conteúdo da reforma. A condução desse tema requer muito cuidado, porque se der errado, além de perder uma grande oportunidade, pode até comprometer a paz social no Brasil.

O diagnóstico sobre a necessidade da reforma é unânime: o sistema tributário é injusto; irracional, penaliza os mais pobres; estimula a evasão e a sonegação; operacionalmente é muito caro para pagar e receber tributos, tanto para os contribuintes quanto para os entes estatais; e logo não dará mais conta de arrecadar o suficiente para manter a máquina pública e os direitos e programas sociais, especialmente aqueles cuja fonte de receita advém da folha de salário.

Nessa perspectiva, há consenso na sociedade e no Parlamento sobre a necessidade e até urgência de uma verdadeira reforma tributária, que simplifique os tributos, reduza a informalidade da economia, amplie a base de arrecadação, desonere as exportações e garanta recursos para o financiamento do funcionamento do Estado, especialmente os programas e direito sociais, e promova justiça fiscal.

Entretanto, não existe nenhum acordo sobre o conteúdo da reforma. De um lado, o governo federal não se entende sobre o que propor, com divergência entre o presidente da República e o ministro da Economia sobre alguns tipos de tributos. De outro, as duas principais Propostas de Emenda Constitucional sobre o tema no Congresso (PEC 45 na Câmara e 110 no Senado), cuidam basicamente da tributação sobre o consumo. Apenas a Emenda Substitutiva Global nº 178, apresentada pelos partidos de oposição à PEC 45, é que trata também de outros pontos, como a tributação sobre a renda, o patrimônio, as grandes heranças e fortunas, sobre lucros e dividendos, entre outros.

Para além disto, trata-se de tema complexo e polêmico, que envolve pelo menos 4 disputas acirradas: 1) uma entre os agentes econômicos e sociais e governo, este querendo arrecadar mais e aqueles requerendo pagar menos imposto; 2) outra entre os três níveis de governo (união, estados e municípios), tanto em torno da participação de cada um no bolo tributário quanto em termos de gestão dos tributos; 3) uma terceira entre os setores da atividade econômica (indústria, serviços, sistema financeiro, etc) cada um querendo se proteger; e 4) uma quarta disputa entre regiões em torno dos incentivos e renúncias fiscais.

A complexidade da matéria, os interesses envolvidos e a confusão no interior do governo coloca um dilema muito sério. Sem o governo não existe reforma tributária para valer, e as propostas do Congresso se limitam ao consumo. Ou há entendimento entre o Congresso e o Poder Executivo, ou o risco de o Congresso fazer uma reforma à revelia do governo que não resolva o problema de caixa para manter a máquina do Estado, os direitos e os programas sociais, especialmente a seguridade, é muito grande.

As divergências entre o presidente da República e o ministro da economia são surreais. De um lado, está o ministro, que tem a obrigação de conhecer a realidade das contas públicas, e para dar-lhes sustentabilidade precisa de tributo que substitua a folha de salário com arrecadação suficiente para manter a Seguridade Social e ao mesmo tempo possa desonerar o setor produtivo. E, para tanto, propõe um tributo sobre movimentação financeira ou sobre as compras ou comércio eletrônico, inclusive sobre as plataformas digitais, ou ainda sugere criar o “imposto do pecado” (a incidir sobre produtos supérfluos ou que trazem externalidades negativas, como cigarro, bebida alcoólica, alimentos que engordam, etc). De outro, o presidente da República, por razões políticas, rechaça as propostas do ministro, impedindo-o que resolva o problema, e adiando a posição do governo sobre o tema.

Nesse embate, o ministro tem razão. Os presidentes das casas do Congresso e o presidente da República, que são contrários às propostas do ministro da Economia, especialmente em relação ao tributo sobre movimentação financeira, estão equivocados. Os tributos atuais, especialmente aqueles incidentes sobre a folha, com as mudanças porque passa o mundo do trabalho (revolução tecnológica, trabalhos precários e plataformas digitais) não darão mais conta de arrecadar o suficiente para custear as despesas do Estado, notadamente aquelas destinadas à Seguridade Social. E nenhum outro tributo terá o poder de arrecadação tão grande, e com alíquotas tão baixas, como os propostos pelo ministro em substituição aos da folha.

Essa resistência à tributação sobre movimentação financeira, comercio eletrônico, plataformas digitais e produtos com externalidade negativas pode levar ao colapso das finanças governamentais e colocar em risco a paz social no País, que, em grande medida, é assegurada pela forte presença do Estado no pagamento de direitos e benefícios sociais. E sem uma ou mais fontes com grande capacidade de arrecadação, o governo não terá como honrar os direitos e programas sociais, provocando revolta por eventuais atrasos ou insuficiências nas prestações sociais.

Estão brincando com fogo. Já está em curso uma série de reformas que reduzem a presença dos mais pobres no orçamento e diminuem a participação do salário na renda nacional. Vem aí nova revolução tecnológica e novas formas de relação de trabalho, que poderão desempregar muita gente, que passará a depender de políticas públicas do Estado. Se o Estado, com o desenho tributário atual, não consegue ter recursos nem para manter o mínimo atual, imagine se houver aumento de demanda por programas sociais em decorrência do desemprego ou desocupação estrutural? A reforma tributária é uma oportunidade de evitar o pior, mas, para tanto, depende do acordo entre os poderes para encontrar um sistema tributário que garanta as receitas necessárias sem provocar revolta, nem pelo excesso de alíquota nem pela falta de recurso para dar suporte às políticas sociais.

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