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Insegurança Jurídica e o Investidor: Quando o Sistema engole o Sistema

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Todos podemos apontar dificuldades para se investir no Brasil. Todos os que acompanham o fluxo de investimento externo sabem que existe pelo menos um paradoxo: o Brasil é um país que cria dificuldade atrás de dificuldade para o investidor estrangeiro. Entretanto, é o quarto maior receptor de investimento externo direto no mundo.

Entre todas as dificuldades de se investir no Brasil, a maior delas, a que leva vários investidores a optarem por outro destino, chama-se “insegurança jurídica”. Nosso país não transmite confiança de que as regras existentes serão seguidas na forma mais sólida e transparente possível. Se, por um lado, perante nossos vizinhos de continente, possamos parecer um oásis — e não sejamos mais comparados à Bolívia, Argentina e Paraguai, onde segurança jurídica é uma piada –, o investidor ainda prefere colocar seu dinheiro em outros lugares que oferecem o pacote completo de benefícios.

Muito se discute onde residem os problemas excessivos de insegurança jurídica no Brasil. Naturalmente, o legislativo culpa o judiciário, enquanto o judiciário culpa o excesso de leis aprovadas pelo Congresso.

Nosso país, operacionalmente falando, é uma confederação de, no mínimo, quatro territórios: Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Esses são independentes (como deve ser numa democracia), mas são altamente conflitivos entre si. Tais conflitos levam à busca pela pacificação momentânea, que ocorre via intercedência política, portanto fugindo do terreno da institucionalidade onde as refregas deveriam ser resolvidas. Em paralelo, nessa “confederação”, temos a imprensa, os sindicatos, as associações, os movimentos sociais etc., que são tratados, por quem não apoia um ou outro, como grupos paramilitares. Cada cidadão, empresário e investidor cuida de criar e zelar pelo seu, pois não encontra uma ouvidoria melhor do que as redes sociais.

A fiscalização também se tornou um poder paralelo. Atrasar, procrastinar ou reinterpretar foi monetizado pelas instituições fiscalizadoras (não necessariamente via corrupção, apesar de que, sim, ela ocorre), pela a eterna influência política nos órgãos de fiscalização.

O excesso de leis (e aí está um ponto correto na leitura que o Judiciário faz sobre o Legislativo) e a burocracia são os pais da insegurança jurídica. Esse excesso de leis aumenta o processo de fiscalização, principalmente pelo Ministério Público, o que naturalmente gera atraso em todo o processo, e quem tem pressa não pode esperar!

Em cima disso , a cultura de judicializar tudo (dado o caráter exageradamente interpretativo da Constituição) gera inúmeras possibilidades de se rever uma decisão, criando mais nuvens de insegurança.

Esse excesso de leis muitas vezes gera leis que são redigidas sem a menor qualidade técnica ou em contradição direta com outras já existentes. Isso abre uma nova janela problemática: a da interpretação. A interpretação possibilita ao judiciário tomar decisões para todos os gostos, com divergências gritantes em cima das mesmas palavras e terminologias.

A imperfeição nas leis faz com que o Judiciário passe a Legislar mais, aumentando a natureza conflitiva entre os poderes e a personalização da culpa, da solução, da decisão A ou da decisão B. Isso mata a institucionalidade.
Temos também um Legislativo extremamente moroso. Nosso Código Civil, por exemplo, levou aproximadamente 10 anos tramitando para nascer velho.

As leis trabalhistas e ambientais também são verdadeiros buracos e armadilhas para quem quer investir no país. Seja estrangeiro ou brasileiro. Outra vez excessos, procrastinação e arbitrariedades estão no cerne de inúmeras decisões ambientais e trabalhistas. O estado absolutamente estimula o funcionário a buscar o processo contra o ex-empregador, diminuindo o ímpeto em contratar. Claro que existem normas que devem ser asseguradas, mas o excesso de poder depositado em juízes trabalhistas ou reguladores ambientais é desproporcional.

O custo da legalidade no Brasil também é muito alto. Cumprir a lei no Brasil custa caro e isso já discuti em diversas conversas com investidores. Mesmo assim, o brasileiro (comparado com o argentino, italiano, grego) é um povo tributariamente ordeiro, acostumado que está desde os anos 1950 e 1960, a respeitar o “Leão da Receita”.

A fúria arrecadatória do Estado brasileiro fez com que o sistema sufocasse o sistema. Podemos ver em vários estados brasileiros Refis em cima de Refis. Um dos fatores chaves e esquizofrênicos para isso é que quem executa a política tributária também faz política tributária. Isso é um erro. A política tributária deveria ser feita no Congresso (obviamente com mais celeridade e aperfeiçoamento), passando sua execução para o Ministério da Economia. Essa mistura gera uma fúria de arrecadação onde perde-se o interesse na eficiência do sistema e foca-se apenas em arrecadar.

É um paradoxo, por exemplo, o fato de que, no Distrito Federal, a redução no valor do IPVA tenha gerado um aumento de 20% na arrecadação. Nem o cidadão, nem o investidor partem com o ímpeto de driblar as obrigações tributárias. O que precisamos é de clareza e de eficiência, e não apenas na arrecadação que mantém o crescimento e o empoderamento burocrático do Estado brasileiro.

A insegurança jurídica é um problema antigo das sociedades e já foi incorporado à cultura institucional. Os conflitos entre os poderes, algumas vezes pacificados (relembro acordos na Chicago dos anos 1930), são frágeis e não transmitem segurança nem confiança para quem quer vir com tudo para o Brasil. Temos uma profusão de atrativos, e, na prática, somos muito atraentes (tanto que continuamos a receber muito investimento externo).

No entanto, lutamos todos os dias contra a atração que exercemos, em uma autossabotagem constante, devagar demais em relação ao mundo e aos anseios da sociedade. Imersos nos próprios objetivos, cada território da “Confederação Brasil” joga o seu próprio jogo e seus cidadãos transitam entre eles sem se sentir à vontade em nenhum.

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