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A revolução tecnológica e o movimento sindical

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Por Antônio Augusto de Queiroz (*)

Em palestra no 30º Congresso do SINPEEM – Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal – SP, com o sugestivo título “os impactos da 4ª revolução industrial na educação”, realizado no período de 22 a 25 de outubro de 2019, no Palácio das Convenções do Anhembi, na cidade de São Paulo, tive o prazer de falar no painel “a revolução tecnológica e o aprofundamento das desigualdades e da miséria”, cujas reflexões compartilho neste artigo.

A revolução tecnológica em curso, para além dos aspectos éticos e de privacidade, terá reflexos sobre o modo de viver, conviver, aprender, produzir e trabalhar e por isso requer, de um lado, um choque de formação e qualificação dos trabalhadores, e, de outro, políticas públicas que distribuam os benefícios da inovação, como forma de evitar a concentração de riqueza e de renda, sob pena de aprofundamento da desigualdade, da miséria e da exclusão social.

Em princípio, o desenvolvimento científico e tecnológico deve ser visto como ferramenta em duas dimensões: uma técnica e outra humana.

1 – A dimensão técnica tem como objetivo:

  1. a inovação, o aprimoramento da técnica;
  2. o aumento da produtividade e a redução de custos;
  3. a ampliação da oferta de bens e serviços à população,
  4. a melhoria da logística, da comunicação, do transporte e da comercialização;
  5. enfim, a eficiência em sentido amplo.

2 – A dimensão humana deve ter como objetivos:

  1. o bem-estar, com redução das desigualdades e eliminação da miséria;
  2. a redução do tempo de trabalho, o aumento da renda e o acesso ao ensino e à educação à distância;
  3. a redução da presença do homem no trabalho repetitivo, insalubre, monótono e isolado, com melhoria da saúde, da mobilidade e da segurança do trabalhador;
  4. o equilíbrio socioambiental;
  5. a ampliação do convívio social, do conforto e da dignidade das pessoas.

Na dimensão técnica, o histórico do desenvolvimento científico e tecnológico registra avanços extraordinários, verdadeiras revoluções, mas, na dimensão humana, em lugar de avanços, tem havido retrocessos na geração de emprego e distribuição de renda, especialmente nesse mundo globalizado, mercantilizado e financeirizado, no qual acionistas anônimos exigem a maximização dos lucros, ainda que às custas da exclusão, da miséria e da desigualdade.

Nessa perspectiva, o fenômeno da revolução tecnológica – com a automação, o uso de sensores, a robótica e a digitalização – tem provocado mudanças estruturais no sistema produtivo e nas relações laborais, cujos efeitos ainda estão por ser mensurados, tanto em termos de perdas de postos de trabalho, quanto em termos de concentração de riqueza e renda.

Segundo o professor da FEA-USP, Paulo Feldmann, a eletronização do século XXI, que substitui o homem pelo robô, terá mais impacto no mundo do trabalho do que teve a mecanização dos séculos XIX e XX, porque, além da manufatura, também vai atingir todos os setores de serviço.

Para ele, a combinação da inteligência artificial, da impressora 3-D e da internet 5-G ou internet das coisas, entre outras inovações, irá desempregar também os profissionais com alta qualificação nos países emergentes, por duas razões.

1 – a primeira é que o projeto das partes e das peças será feito nos países desenvolvidos, de alta tecnologia, e sua fabricação/impressão será feita nos países emergentes por impressora 3-D, eliminando os custos de logística.

2 – a segunda é que a quantidade de novas profissões/empregos, em substituição aos milhares que irão desaparecer com as inovações em curso, será muito pequena: o trabalho será feito pelos robôs e pelas impressoras 3-D.

O Brasil está atrasado no cenário mundial em relação a todas essas inovações, especialmente à automação. Apenas para citar o exemplo dos robôs, segundo a americana Robotic Industries Association, o Brasil precisaria ter 200 mil robôs para atender à atual demanda da indústria nacional, mas tem apenas 11 mil. A proporção no Brasil seria de 10 robôs por 10 mil habitantes, enquanto nos Estados Unidos e na Alemanha esse número já é 20 vezes maior.

Segundo o especialista em automação industrial, CEO e co-fundador da Accede Automação Industrial, empresa com sede em São Bernardo do Campo, Marcelo Miranda, desde o final da década de 1990, um total de 2,25 milhões de robôs industriais foram implementados em todo o mundo. Até 2030, a previsão é que até 20 milhões de máquinas estejam em uso globalmente.

De fato, com a convergência de tecnologias integradas, se não houver uma regulação efetiva nem políticas públicas de inclusão digital, haverá exclusão em grande escala e com efeitos deletérios sobre o emprego e sobre o desenvolvimento de países que não investirem em inovação, porque poderão ser condenados à desindustrialização, à desnacionalização, à perda de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, com o consequente aumento da desigualdade e da miséria.

Trata-se de sistemas integrados que incluem desde a segurança de dados, computação nas nuvens, passando por simulações, realidade aumentada, big-data, robôs automáticos, internet das coisas, manufatura aditiva e manufatura customizada, uso intensivo de bio e nanotecnologia, capaz de chegar até o emprego de algoritmos na aplicação dessas tecnologias, e outras formas avançadas que reduzem a presença do homem nas diversas etapas do processo produtivo.

Ou seja, é uma verdadeira revolução na capacidade de transmissão de dados, em bytes e em velocidade, na capacidade de armazenamento, gerenciamento e processamento de informações, no emprego de robôs e máquinas, e tudo isto de forma virtual via satélite, telefonia móvel, wi-fi, radiocomunicações e outras formas ou sistemas de comunicação de dados e de otimização de processos.

Nesse cenário, o papel do Estado na regulação e na proteção dos afetados pela revolução tecnológica é fundamental, sob pena da ampliação da desigualdade e da exclusão de milhões de pessoas no Brasil do acesso ao emprego, do acesso à renda e do acesso ao consumo, num processo de completa exclusão econômica e social.

A desigualdade, conceitualmente, nada mais é do que a diferença entre o crescimento da riqueza do capital e a renda do trabalho. Quando a renda do capital cresce mais que os ganhos do trabalho, a consequência será a desigualdade, que em países como o Brasil atinge níveis alarmantes.

Lamentavelmente, o governo brasileiro, em lugar de adotar políticas públicas que protejam o interesse nacional e os trabalhadores, garantindo a inserção soberana e justa do País nesse ciclo de modernização, com proteção aos empregos e medidas preventivas para distribuição dos benefícios da tecnologia para todos, tem adotado um ajuste fiscal que vai em direção contrária, sinalizando para a retirada dos pobres do orçamento público.

São exemplos disso:

  1. a Emenda Constitucional nº 95, do teto de gastos, que congelou, em termos reais, o orçamento público;
  2. a reforma trabalhista, que criou novas modalidades precárias de contração de trabalho, como a pejotização e o trabalho intermitente;
  3. a terceirização generalizada, que precariza as relações de trabalho, reduz o salário e piora as condições de trabalho, inclusive em relação à segurança;
  4. a reforma da previdência, que modifica os fundamentos da concessão do benefício em três dimensões e todas em prejuízo do segurado: aumento da idade, aumento do tempo de contribuição e redução do benefício;
  5. a reforma 3-D, também conhecida como SuperDRU, e o Pacto Federativo, que consiste em Desvincular, Desindexar e Desobrigar o Orçamento Público;
  6. a reforma administrativa, que reduz o tamanho e o papel do Estado na prestação de serviços à população, no fornecimento de bens e na oferta de programas sociais e de renda aos carentes e desprovidos.

Como o sindicalismo é o resultado do encontro entre a vontade e a realidade, como diz o sociólogo Leôncio Martins Rodrigues, o movimento sindical precisa ter vontade política e se preparar para essa desafiadora realidade, na qual o governo brasileiro, em lugar de se preparar para enfrentar essa nova realidade, faz o inverso ao investir sobre o desmonte do Estado e dos direitos trabalhistas e previdenciários.

O movimento sindical precisa intervir nesse cenário com inteligência estratégica e propostas alternativas de políticas públicas, não para negar o desenvolvimento científico e tecnológico, que passou a ser um imperativo dos tempos atuais, mas para colocá-lo a serviço do ser humano, inclusive daquele que é vítima de desemprego decorrente da automação, da digitalização, da robótica e de outras inovações produtivas.

Nessa perspectiva, algumas iniciativas são fundamentais:

1 – a retomada de uma espécie de “Pronatec”, em novas bases, direcionado para a formação e qualificação de profissionais voltados à realidade virtual, à automação e à digitalização, inovações que crescem numa velocidade superior à capacidade atual de preparação profissional;

2 – a regulamentação do inciso 27 do art. 7º da Constituição Federal, que garante ao trabalhador “proteção em face da automação”;

3 – políticas de redução de jornada, sem redução de trabalho, para que todos tenham acesso ao emprego;

4 – formular uma política de renda mínima nacional, capaz de assegurar dignidade aos excluídos em face da revolução tecnológica;

5 – tributação dos ganhos de produtividade, especialmente os decorrentes da automação, da digitalização e das inovações que substituem mão-de-obra, incluindo o comércio eletrônico;

6 – políticas de transição com regras “justas”, com garantia de emprego ou de renda ao trabalhador, na hipótese de adoção de novas tecnologias que impactem negativamente o mercado de trabalho, como é o caso das inovações em curso, como a automação, digitalização e internet das coisas.

O desafio da sociedade brasileira é enorme na atual conjuntura e requer unidade política e de ação de todos os setores, especialmente do movimento sindical, cuja função é Organizar, Representar, Negociar em seu nome e defender os direitos e interesses dos trabalhadores.

 

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