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Se quiser governar, Bolsonaro deve sair de seu nicho e ouvir as ruas

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A persistência do presidente em satisfazer unicamente seus seguidores leva ao isolamento. Ao perpetuar a guerra bolsonaristas x lulistas, a qual já venceu, despreza o que a maioria quer: emprego e segurança.

 

Durante a campanha eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro disse que sempre estaria do lado oposto onde estivesse o PT. Diante do repúdio maciço que o PT despertava (e desperta), angariou ampla simpatia.

Com sua postura autêntica, o capitão-mor juntou os antipetistas aos bolsonaristas convictos e derrotou todo o establishment – incluindo PT e PSDB, escolha dos brasileiros por 24 anos. Foi suficiente para vencer o pleito …

…, mas é insuficiente para assegurar apoio ao governo por muito tempo.

 

Escolinha de presidentes

Na prática, o presidente Bolsonaro não aprendeu a governar. Não aprovou nada de relevante no Legislativo, não produziu nenhuma ação de impacto na vida das pessoas.

Mais importante, não enfrentou a violência, não baixou o desemprego, não destravou a economia. A inflação controlada não é mérito dele, mas de seu antecessor, Michel Temer.

Tudo isto, porém, poderia ser amenizado se as expectativas fossem positivas. Eis que não são, apesar de alguns sinais de alento. O mandatário rejeitou, até aqui, o toma-lá-dá-cá tradicional da política. O investimento em infraestrutura e a desestatização são igualmente bem-vindos, mas insuficientes.

Se tiver lucidez, o presidente da República deveria admitir que seu governo patina. Até aqui, emulou um agente de trânsito, um guarda florestal e um fiscal de costumes, entre outras ações cosméticas.

Se for por inapetência, estamos no sal. Se for falta de jeito, hora de pegar no tranco.

 

Decepção

Um bom começo seria prestar atenção à pesquisa divulgada pelo Estadão de domingo, 2 de junho. Os dados do instituto Ideia Big Data mostram que ele está desidratando entre a parcela do eleitorado que não é seu nicho natural, mas, sem o qual, não teria chegado ao Palácio do Planalto.

Há muitas pesquisas que comprovam a redução de sua popularidade. Em comum, elas convergem na queda constante desde a posse. O Ideia Big Data/Estadão mostrou melhor a cara desta insatisfação, concentrada nas classes B e C.

Moradora de Porto Alegre (RS), eleitora do capitão-mor, mostra sua decepção. “[Ele] assumiu como presidente e a gente não vê nada. Eu já perdi as esperanças”, lamenta. “Eu tenho medo de andar nas ruas, e acreditei nele durante as eleições”.

Uma transeunte abordada pela reportagem em São Paulo (SP) também se decepcionou com seu escolhido. “Vejo filas e filas de gente procurando emprego. Achava que ele fosse mudar”, mas “ele está me decepcionando”, confessa. “Ele está dando prioridade a coisas que não são necessárias agora, o porte de arma, por exemplo”.

Segundo o Ideia Big Data, 31% aprovam Bolsonaro, 36% desaprovam e 33% optaram pela coluna do meio. Para o instituto, o eleitor do 2º turno, o que não vê Bolsonaro como um semideus, está se afastando rapidamente do presidente da República.

A cidadania quer solução para problemas prementes: desemprego e violência. Ou seja, as pessoas querem ficar vivas e ter alguma dignidade na vida.

 

Vai melhorar, vai piorar

Objetivamente, é muito difícil resolver questões estruturais tão arraigadas na economia e cultura brasilianas em pouco tempo. Resta, então, ao presidente criar expectativas positivas. Ou seja, mostrar que está trabalhando em prol de todos.

O presidente, porém, dedica-se quase exclusivamente a atacar ambientalistas, pederastas, desarmamentistas e esquerdistas em geral. Aos que querem renda e segurança, oferece quase nada. Ou nada.

Lula e Bolsonaro lideram dois polos opostos e extremistas. Lula já mostrou que seus seguidores são fanáticos e dispostos a rejeitar as evidências de que o PT e seus dirigentes promoveram um inusitado esquema de corrupção, como ficou fartamente demonstrado pelo Mensalão e a Lava-Jato, operações chanceladas pela Justiça.

Razoável supor que uma expressiva parcela de eleitorado cativo de Bolsonaro esteja disposta ao mesmo grau de fanatismo pelo demiurgo da chamada direita. Mas, por enquanto, isto é apenas um achismo.

Bolsonaro terá muita dificuldade para invadir a seara do lulismo. Mas há uma parcela expressiva de brasileiros que não querem ser nem lulistas, nem bolsonaristas. Querem emprego, renda e segurança. Se tiverem diversão, melhor ainda.

 

* Itamar Garcez é jornalista

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