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Mudanças regimentais contra o kit obstrução

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Os partidos da base de apoio do governo Bolsonaro vão apresentar duas condições para apoiar um candidato para presidente da Câmara: a) identidade programática com a agenda governamental e b) disposição para promover mudanças no regimento interno e reduzir a capacidade de obstrução da oposição/minoria. Nisso, o governo Bolsonaro imita o governo FHC, que apoiou o então deputado Luís Eduardo Magalhães para presidir a Câmara exatamente por esses dois motivos.

O desejo é promover cinco mudanças no regimento interno: 1) eliminar a votação automática de emenda aglutinativa, exigindo apoiamento da maioria absoluta dos deputados para sua votação; 2) retirar a limitação do tempo de duração e ampliar a possibilidade de prorrogação de sessão extraordinária; 3) reduzir o número de requerimentos em plenário, especialmente sobre a dispensa de interstício; 4) restringir, ainda mais, a cota partidária de DVS-Destaque para Votação em Separado; e 5) limitar a prerrogativa de o líder substituir a bancada em todas as situações. Mas se contentam com as três primeiras, já que as duas últimas provocariam grandes resistências.

A primeira mudança regimental tem o propósito de retirar o caráter automático da votação de emenda aglutinava subscrita por seus autores, além de aumentar a exigência de apoiamento no caso de fusão subscrita por líderes partidários.

Pela regra atual, além da votação automática das emendas aglutinativas assinadas por seus autores, 52 deputados (10% da Câmara ou líderes que representem esse número) podem propor emenda aglutinativa com direito a votação automática, desde que os conteúdos a serem aglutinados não tenham sido dados por prejudicados, ou seja, estejam ainda pendentes de apreciação.

A ideia da mudança regimental é acabar com a votação automática, exigindo, nas duas hipóteses, o apoiamento da maioria absoluta da Câmara (257 deputados ou líderes que representem esse número) para que a emenda aglutinativa possa ser votada. Isso, na prática, impede que a oposição/minoria, por exemplo, consiga votar qualquer emenda aglutinativa, cuja apresentação já é dificultada pelas regras vigentes, sem o apoio de partidos independentes ou da base de sustentação do governo.

A segunda mudança destina-se a modificar o tempo de duração das sessões extraordinárias, que atualmente são de, no máximo, quatro horas, prorrogável por apenas mais uma hora. O interesse é permitir a prorrogação, a critério do presidente, pelo tempo necessário à conclusão da ordem do dia, como forma de evitar a convocação de nova sessão extraordinária, que só começa a deliberar após o registro em plenário da presença de pelo menos 257 deputados.

Com a regra atual, quando há prorrogação, os interessados na obstrução exigem que se abra novamente o painel, o que, além de retardar a deliberação, pode provocar o adiamento da apreciação das matérias da ordem do dia por falta de quórum regimental.

A terceira mudança no regimento interno serviria para dificultar o uso reiterado de requerimentos em plenário, especialmente de dispensa de interstício e de retirada de pauta, além de evitar outras manobras protelatórias, que fazem parte do chamado “kit obstrução”.

Pela regra atual, proclamado o resultado de uma votação simbólica, desde que haja divergente, 31 deputados (6/100 da composição da Câmara ou líder que represente este número) podem pedir que a matéria seja votada nominalmente e o presidente defere de oficio.

Havendo-se procedido a uma verificação de votação, só pode haver nova solicitação após o interstício de uma hora, salvo se houver o apoio de um décimo da Casa ou de 52 deputados ou líderes que representem esse número. Neste caso, entretanto, o novo pedido é decido pelo plenário – e não pelo presidente – e assegura a seus autores o direito de encaminhamento e orientação da bancada para votação do requerimento de quebra de interstício, constituindo-se em manobra protelatória.

A mudança regimental proposta visa exatamente evitar que a votação do requerimento de quebra de interstício, a ser decidida pelo plenário, seja precedida de encaminhamento e orientação de bancada. Com isto ganha tempo, acelera o processo de deliberação e, em consequência, reduz ou elimina eventuais manobras protelatórias.

A quarta mudança, que seus próprios defensores admitem ser muito difícil, teria o objetivo de reduzir a cota de DVS por partido. Atualmente, os partidos ou blocos parlamentares com cinco a 24 deputados têm direito a um DVS; com 25 a 49 têm direito a dois; de 50 a 74 têm direito a três; e acima de 74 têm direito a quatro. Na composição da Câmara que resultou das eleições em 2018, nenhum partido terá direito à faixa máxima de DVS de Bancada, e apenas o PT teria direito a três DVS.

A quinta mudança, igualmente de difícil implementação, seria destinada a reduzir os poderes absolutos dos líderes, inclusive os de encaminhar e orientar as bancadas nas votações em substituição aos partidos, além de poderem assinar emendas, destaques e outros tipos de requerimento, a exemplo do requerimento de urgência urgentíssima, em substituição a toda a bancada.

É legitimo que o novo governo, por intermédio dos partidos que lhes dão sustentação no Congresso, deseje maior agilidade nas deliberações, porém esse desejo não pode nem deve retirar o direito ao contraditório – constitucional e regimentalmente –, assegurado às minorias, sob pena de macular ou até de tornar ilegítimo o processo deliberativo.

O direito à obstrução é inerente à própria natureza dos parlamentos. Em países como os Estados Unidos, táticas obstrutivas podem, até mesmo, ser adotadas por parlamentares, individualmente. É da essência da democracia que os divergentes possam fazer ouvir a sua voz, usando instrumentos legais para garantir o direito das minorias.

A legitimidade do processo deliberativo depende, além do respeito ao devido processo legal e ao direito de participação das minorias, da participação plena dos parlamentares, da decisão colegiada e do conhecimento prévio da pauta de votações, entre outras exigências legais e regimentais.

Esse conjunto de mudança ora em debate, expressa ou traduz a fala do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), quando disse que o próximo presidente da Câmara deve ser alguém com disposição e capacidade para “tratorar” a oposição. Essa polêmica será um dos primeiros embates da próxima legislatura, caso o atual presidente da Casa não resolva se antecipar e votar essas ou outras alterações regimentais ainda na atual legislatura.

 

(*) Jornalista, consultor e analista político, diretor de Documentação do Diap e sócio-diretor da Queiroz Assessoria.

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