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A tragédia do óbvio

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Ninguém comemorou. Pouca gente lembrou. No último dia 13 se completaram 49 anos da edição do Ato Institucional número cinco. Foi o quinto decreto emitido pelos governos militares. O mais duro e arbitrário. Concedeu poder absoluto ao Presidente da República. Redigido pelo Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, foi a resposta do governo às manifestações e passeatas que ocorriam nas principais cidades brasileiras com os militares.

Formalmente, o AI-5 significou a reação dos militares ao discurso deputado Márcio Moreira Alves, que pediu ao povo brasileiro boicotar as festividades de Sete de setembro, em protesto contra o governo militar. Foi um discurso rápido e despretensioso. A Câmara dos Deputados negou a licença para que o deputado fosse processado. Os militares fecharam o Congresso e decretaram a ditadura. Foi o início da mais violenta repressão no país

O Brasil e o mundo mudaram

Ao longo destes quase cinquenta anos o Brasil e o mundo mudaram. Restou quase nada do conflagrado ambiente político dos anos sessenta. A União Soviética se esvaiu. Virou suco, escorreu da existência para os livros de história. O muro de Berlim caiu, os países da Europa Oriental abandonaram o comunismo. A China inovou com o lema um país dois sistemas. O regime político continua fechado. A economia vive um momento de extremo crescimento. O país pobre nos anos sessenta é hoje a segunda maior potência financeira do planeta. Perde apenas para os Estados Unidos.

O Brasil mudou muito. Naquela época, o temor da explosão populacional preocupava estudiosos. Hoje, ao contrário, o país precisa se preparar para o dramático momento a partir do qual a população começará a se reduzir, o que deverá ocorrer em torno de 2030. A imigração estrangeira passará a ser examinada de outra maneira. Será necessária. A reforma da previdência passará ser urgente porque haverá mais idosos do que a força de trabalho capaz de sustenta-los. População menor significa necessidade de investir mais em política públicas abrangentes.

Só a política não mudou

As comunicações hoje não possuem qualquer semelhança com as existentes nos anos sessenta. Tudo mudou. Só não se modificou o discurso político de nossos representantes. A esquerda pratica até hoje o discurso nacionalista em defesa de um operariado que trabalha majoritariamente em empresas de capital estrangeiro. O nacionalismo serve apenas para manter privilégios nas empresas estatais, como se comprovou recentemente, por intermédio dos inquéritos da lava jato. Os monumentais desvios de dinheiro público fotografaram a ineficiência do trabalhismo no poder. Quando o dinheiro acabou, o governo caiu e legou a seus nacionais um rombo de enormes proporções. Roubalheira abissal.

Os militares no Brasil se recolheram aos quartéis. Um ou outro se manifesta sobre política, mas a maioria não quer saber de política. O desgaste da instituição foi muito forte. Na medida em que proibiram o exercício da política pelos civis, eles próprios passaram pelo dissabor de ter que enfrentar as agruras do poder. Ocorreram divisões internas pesadas. Tiveram que lidar com inflação elevadíssima, dívida externa pesada e enfrentar a fortíssima pressão dos banqueiros internacionais. Foi mais fácil devolver o poder aos civis.

Lições da história

Os políticos deveriam olhar para a história. Os caminhos da barganha de votos por benefícios não levou o país a lugar nenhum. Nos anos sessenta, o produto interno bruto do Brasil era muito maior do que o da China ou da Coréia do Sul. Hoje é o contrário. Os brasileiros perderam muito tempo. Alguns deles não perceberam que a solução comunista, sonhada nos anos sessenta, virou miragem. A eleição presidencial será realizada daqui a onze meses. E ainda não há candidatos definidos. E Lula, que não sabe se poderá pleitear a vaga, discursa contra decisões da Justiça. Ele se coloca como um cidadão acima das instituições.

O governo Temer é vacilante porque vive na corda bamba. É dependente do humor dos parlamentares. E anda pagando com cheque sem fundos. Nomeações não são publicadas, recursos não aparecem. Enfim, o dinheiro ficou curto. Por essa razão, a reforma da previdência passou para fevereiro. Oportunistas de todos os quadrantes apostam na possibilidade de todo o quadro piorar. É o cenário ideal para vicejar o discurso de salvação nacional proferido por um oportunista de plantão. O mundo mudou, mas os brasileiros não enxergam. A tragédia do óbvio é não ser percebido.

Publicado no Correio Braziliense em 15/12/2017

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