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A incompatibilidade entre a Igreja Católica e o governo Temer

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O homem é o homem e suas circunstâncias, dizia o filosofo católico Jose Ortega y Gasset. O Papa não escapa a essa lei, sendo ora um Papa com o poder da oratória e do pensamento moderno, ora o Bergoglio peronista e politicamente ativo.

A milhares de quilômetros, o presidente Michel Temer vive também vários dilemas, ele e suas circunstâncias. Uma, no entanto, segue sendo parcialmente ignorada ou simplesmente rebaixada ao trivial: a busca de uma aproximação institucional entre o Governo e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a principal organização católica política do país.

Não se trata, necessariamente, de trazer a CNBB para dentro do Palácio, como outros presidentes, e mais recentemente, Lula conseguiu. Se trata de um movimento com potenciais resultados duplos: ter o apoio do principal órgão católico no maior país católico do mundo agrega musculatura a um governo necessitado. Além disso, ameniza uma voz dissonante em um momento crítico para o governo na aprovação de reformas complexas e controversas. Dissonância ainda mais potencializadas após a CNBB ter emitido um comunicado contra as reformas promovidas pelo governo, falando em “exclusão social”.

As peças do jogo

As circunstâncias colocaram na frente do presidente Temer um tabuleiro de xadrez, onde determinadas peças têm um valor comparativamente bem maior do que entre as tradicionais peças de um tabuleiro. Os sindicatos, por exemplo, são dispositivos de ataque. Pouco ou nada valem na tentativa de aproximação, somente de neutralização.

A imprensa, esta está bem dividida e delineada não apenas entre veículos, mas entre os tipos de redações e editorias de cada mídia. O Congresso, este representa uma peça mutante, ou virtual, onde o número explícito de membros da base aliada não representa, de fato, o que diz representar em determinados momentos e votações. O judiciário também se divide em camadas e agrupamentos. No campo da fé, tanto organizações evangélicas quanto católicas desempenham papéis centrais na disseminação de opiniões e informações.

Tentativa de aproximação

Não é de se estranhar, muito pelo contrário, os movimentos que Temer vem fazendo em direção a CNBB. Sabe-se que, historicamente, grupos dentro da CNBB e do PT, desenvolveram laços fortes e históricos. A Teologia da Libertação, apesar de fora de moda, ainda conta com influência relevante dentro junto aos bispos e, mais emblematicamente ainda, ao Papa Francisco.

Bergoglio, militante peronista durante anos na Argentina, voltou a ocupar um papel essencialmente político quando impõe barreiras a qualquer tentativa de aproximações entre Mauricio Macri, presidente argentino e Michel Temer a ele. No campo brasileiro, o Papa optou, infelizmente, por não confirmar presença na celebração dos 300 anos de devoção a Nossa Senhora de Aparecida, devido a discordâncias sobre a legitimidade do atual governo. Legitimidade que é posta em cheque de forma contínua entre pequenos grupos da CNBB ligados à TE, que apesar do desabafo recente de Leonardo Boff sobre o PT, mantêm-se ligados ao partido.

A CNBB é um dos grupos político-religiosos mais influentes do país. O nascimento do PT, gestado nas CEBs, no começo dos anos 80, sob as bênçãos da amizade entre o ex-presidente Lula e Dom Humes, sempre teve uma ligação muito forte com segmentos da igreja. Durante os anos na Presidência, Gilberto Carvalho, assessor de Lula na época, era a ligação entre o governo e parte da confederação católica.

Grupos religiosos contra e a favor das reformas

Hoje, a própria CNBB se encontra dividida. Podemos dizer que importantes bispos apoiam reformas, mas a grande verdade é: a influência de importantes segmentos da CNBB nas igrejas de todo o país criou canais anti-reformas (principalmente da Previdência) que o governo identificou como um problema. Principalmente quando se observa que grupos evangélicos (talvez mais bem representados dentro do governo) são a favor da reforma da Previdência em templos do país inteiro.

O Papa não só não intervirá, mas respalda essa posição anti-reforma, culminando na sua ausência nos 300 anos da devoção a Nossa Senhora Aparecida. Está criado, assim, um cruzamento ativo entre política e fé, que, Temer, bom articulador, não consegue romper.

Essa situação pode, paradoxalmente, ampliar a influência dos evangélicos no governo, apesar de Temer ser o Presidente brasileiro mais católico das últimas temporadas.

Publicado na GQ em 12/05/2017

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