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América Latina: turbulências, crises e a farsa venezuelana

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A América Latina atravessa há alguns anos, uma crise de identidade que compromete o seu desenvolvimento econômico e afeta diretamente os processos de integração. Modelos políticos divergentes têm sido incapazes de construir pontes e ignoram práticas universais como o respeito aos princípios democráticos capazes de aproximar por interesses maiores, países cujos governos não comungam das mesmas práticas.

Vivenciamos talvez, um dos piores momentos políticos de nossa história. As crises crescem na mesma proporção em que as lideranças políticas se ausentam. Mecanismos de concertação política estão acéfalos, impotentes ante um cenário de distanciamento cada vez maior e mais radical.

Há uma deterioração da democracia e das instituições na maioria dos países da região. Países que condenaram de forma veemente o processo de impeachment levado a cabo no Brasil, taxando-o de golpe de Estado parlamentar, são os mesmos que confiscam imunidades e prerrogativas dos seus legislativos.

A crise na Venezuela

No início do mês, por exemplo, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela, avocou para si o papel da Assembleia Nacional, cujas prerrogativas já haviam sido “confiscadas” pelo Poder Judiciário, por determinação expressa do Executivo. Em meio às pressões internacionais, o presidente Nicolás Maduro pediu aos magistrados que voltassem atrás e restituiu o Parlamento, embora ainda controle o seu funcionamento para não ver-se destituído.

E não o fez sem antes reforçar as ameaças de sempre e invocar a figura do inimigo externo como responsáveis pelo caos interno. Tal articulação desnuda por completo a farsa democrática armada sob o regime chavista. Mostrou ao mundo, inclusive à grande parte dos seus defensores, não há independência entre os poderes naquele país. E sem essa independência, não pode haver democracia.

A restituição da Assembleia Nacional venezuelana, no entanto, não impede que o derretimento do regime continue. As mortes que já ultrapassam uma dezena, nas últimas manifestações contra o governo, reforçam o grau de omissão regional e de radicalização ideológica interna. O governo chavista em tese, está isolado, mas na prática, continua ganhando tempo.

A Venezuela é o principal exemplo de como caminha a América Latina em meio à turbulências e crises. Os poucos aliados que restam, não possuem recursos econômicos ou bélicos para defender uma revolução fracassada. O eixo bolivariando está literalmente desaparecendo.

Inércia das organizações internacionais

No entanto, resta ao regime venezuelano, apostar na falta de credibilidade e de eficácia de entidades como a Organização dos Estados Americanos (OEA), na divisão interamericana e na incapacidade da oposição interna de organizar-se. Além disso, os poucos movimentos internacionais em defesa da democracia na Venezuela, não têm produzido efeitos concretos. Inclusive no Brasil, país que poderia exercer uma pressão maior, mas prefere ver outros atores agindo.

A Bolívia retomou as relações com o Brasil depois de somar-se àqueles que subiram o tom dos ataques por conta da queda de Dilma Rousseff. La Paz sabe que o aumento na oferta de hidrocarbonetos pressiona os preços para baixo e pode levar Brasília a repensar o acordo energético em vigor. Evo Morales, mesmo mantendo a retórica na defesa dos antigos aliados, sabe que Caracas está por um fio.

No Paraguai, direita e esquerda articularam uma mudança constitucional para validar a reeleição. Não tratou-se de um golpe dos colorados, mas de uma ação que contou com o beneplácito do ex-presidente Fernando Lugo, deposto em 2012 e que sonhava voltar ao cargo. Nicanor Duarte Frutos, alimentou o mesmo desejo e Assunção ardeu em fogo e incertezas em um momento de crescimento econômico. A reação popular acabou sepultando a iniciativa dando-nos uma importante lição e aos organismos regionais como MERCOSUL, UNASUL e CELAC que nada fizeram a respeito.

A sociedade paraguaia percebeu que para os políticos não existe esquerda ou direita, mas interesses pessoais, corporativos e empresariais.

Governos desgastados, povo descontente

O Chile, modelo de democracia regional parece não conseguir superar uma crise política interna agravada pelas disputas com a Bolívia que fez de uma saída para o mar, sua principal bandeira. O mau humor nas relações bilaterais já contaminou a região.

Até mesmo a Colômbia sob Juan Manuel Santos, capaz de pôr fim a um conflito interno de mais de 50 anos, pode retroceder. Salpicado pelo escândalo da Odebrecht, o presidente corre o risco de não fazer o sucessor e uma derrota nas urnas em 2018 é capaz de rasgar os acordos de paz.

O mundo assiste preocupado a situação. A Colômbia pode passar de exemplo exitoso de diálogo e superação à uma situação ainda pior com o ressurgimento de organizações hoje adormecidas. Já se sabia desde o princípio que nem todas as frentes das FARC se somariam aos acordos, mas o que temos agora é a possibilidade real de que esses mesmos acordos sequer sejam implementados.

As recentes eleições presidenciais no Equador confirmam essas tendências. A vitória do candidato da situação por uma margem mínima, mostra que há um esgotamento do atual modelo tido como “progressista” na região. Na prática, há um cansaço explícito com os governos. Vide o que se passa na Argentina de Mauricio Macri há pouco mais de um ano no poder.

A ausência da unidade regional

Com o Brasil não é muito diferente. Além das graves revelações da Operação Lava Jato, da “internacionalização” da corrupção por meio das grandes construtoras, o país teve que lidar com denúncias envolvendo a carne, um dos principais produtos do agronegócio. Resgatar a confiança de mercados que levaram décadas para serem conquistados demandou uma estratégia coordenada, cautelosa e ao mesmo tempo, agressiva, pois o que não faltavam eram países esperando herdar o espólio de um mercado multimilionário.

Some-se a tudo isso, os problemas comuns que atingem a região e que somente serão superados por meio da cooperação e confiança mútuas. Crescem à margem dos problemas políticos, as ações do crime organizado, do narcotráfico, do contrabando de armas pesadas e até mesmo do tráfico de pessoas.

A América Latina passou anos buscando uma integração que está desmoronando. E isso deve-se em grande medida ao fato de os líderes regionais nunca terem se preocupado em construir unidade. Diante de um cenário como este, serão irreversíveis as perdas econômicas e comerciais, elementos que afetam diretamente a qualidade de vida dos seus habitantes.

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