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Política e suas ginásticas mentais

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O mundo vive momentos de ruptura que geralmente deixa alguns para trás, sem compreender a mudança de fases que um povo, um país, uma sociedade e até uma civilização vivem.

Nas últimas semanas, estamos observando no Brasil um conflito temporal entre comportamentos de algumas pessoas versus a realidade. Isso envolve desde celebridades a políticos e integrantes da sociedade como um todo. O tempo é cruel contra a percepção que algumas pessoas têm de certas coisas.

O ator José Mayer, por exemplo, justificou o violento assédio sexual a uma colega como um conflito geracional, ao qual ele, infelizmente, não soube se adequar ainda.

O mesmo segue pela esfera da política. O “caixa 2”, ou doação não contabilizada para campanha, era tratado como normal, até banal em, provavelmente, todas as eleições brasileiras. Apesar de sempre ter sido errado – assim como o comportamento de Zé Mayer – era tão corriqueiro e relacionado a um período determinado, que ser punido por isso era impensável e até “injusto”.

Pediu desculpas, tá novo

Podemos ir além do “caixa 2” e falarmos de propina. Movido pelo fantástico atalho criado pela Igreja Católica no ano de 1215 – a confissão individual – esse mecanismo religioso acabou sendo incorporado de uma forma tão profunda e suave à cultura brasileira (essencialmente católica em hábitos e expressões), que obviamente adentrou o ambiente político.

Pecar, se arrepender e partir para a próxima é uma vantagem que apenas nós, católicos (praticantes ou não) temos. Mais do que isso, culturalmente, o pedido de desculpas é tratado como o botão de reset. Afinal, não é apenas isso que o goleiro Bruno deseja? Não foi isso que Zé Mayer pediu em sua carta?

Por que, então, não existe tal mecanismo no meio político? Primeiro, porque assim como funcionamos na base do “pediu desculpas, tá novo”, também incorporamos o mecanismo de compensação. Basta realizar algumas coisas boas, para compensar alguns erros. E isso é o pulo do gato mental para os políticos brasileiros.

Você acha que de fato José Dirceu, Paulo Maluf, Lula e Waldemar da Costa Neto têm sentimento de culpa? Não, pelo simples fato de que o mecanismo de compensação funciona em nível máximo na cabeça de quem faz política. Cada erro cometido, cada pagamento irregular recebido, cada fato sonegado vem acompanhado de uma emenda que trouxe benefício a um segmento da população, um voto que melhorou a vida de alguns e uma decisão que resolveu problemas complexos.

O mestre desse processo de compensação é o ex-presidente. Ele justifica seus equívocos, erros e atos corruptos com resultados positivos obtidos em outras esferas. E baseado nesse mecanismo, muitos dos que se negam a enxergar Lula como corrupto seguem leais e assim permanecerão.

Sem culpa ou arrependimento no jogo da política

Estamos chegando a um ponto em que o artífice da “mea culpa” entrará para a Lista do Janot. Muitos aceitarão o erro e buscarão o perdão por meio de uma confissão à sociedade. Alguns receberão o perdão e seguirão com suas vidas. Outros, naturalmente, não. Já no caso de Lula, assim como Emílio Odebrecht pondera, se trata de um animal político. Não haverá “mea culpa” ou confissão, pois o ex-presidente acredita que ele é quem fornece o perdão e não quem precisa se confessar.

Não há culpa e nem arrependimento, porque a política é vista como um jogo. Onde o julgamento, os erros e os acertos funcionam em uma velocidade muito mais alta do que a do dia a dia das pessoas e da sociedade. Na política, alguém pode cometer um erro atroz e ainda assim ter várias oportunidades para remediá-lo e sair como herói.

O senso de “injustiça” na cabeça de vários é pelo fato de a sociedade e a mídia não colocarem em uma balança os pró e contras e determinarem seu veredito. O problema (para eles), é que a vida não funciona assim. O sentimento de Robin Hood, que muitos teimam em adotar e no qual se basear (Lula, por exemplo), não é compatível com as leis e com o bom funcionamento da sociedade.

No momento em que um político é pego, sua frustração aumenta pelo fato de não ter mais seguidas oportunidades de compensar os últimos erros. E, para quem vive desse mecanismo de compensação, o sentimento de injustiça chega a ser real. Por mais surreal que seja.

Publicado no Blog do Noblat em 24/04/2017

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