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O estéril e histérico discurso da esquerda e direita reacionárias

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A conjunção das crises política e econômica que vivenciamos não tem precedentes. Pelo menos para um país das dimensões territoriais, demográficas e econômicas do Brasil, e em tempos de paz.

Na economia, uma recessão de quase dois dígitos assola empregos e empresas numa proporção de tempos de guerra. Na política, uma devastação moral há muito conjecturada, mas nunca escancarada como agora.

A pregação da ruptura com o status quo passa a ser discurso dominante na enxurrada de manifestações da cidadania. Virtuais na forma, reais na disposição de romper “com tudo isto que está aí”.

Não restam dúvidas de que o melhor é varrer o sistema que nos governa e substituí-lo por outro, saneador, alinhado com padrões morais que convirjam para uma sociedade mais justa e com igualdade de oportunidades. O debate, no entanto, é angustiantemente inconcluso sobre a saída à derrocada que as autoridades da Nação – quase todas livremente eleitas, ressalte-se – nos conduziram.

Eis aqui o busílis. São muitas as saídas aventadas, mas nenhuma reúne simpatia ampla o suficiente para florescer. A melhor alternativa pode ser a confluência de distintas proposições.

Entre os empecilhos a uma possível concertação está a intolerância extremada das esquerdas e direitas reacionárias. Nem uma, tampouco a outra quer ouvir, argumentar, muito menos ceder. Apenas impor com histeria sua visão de mundo estéril, pois de único pensamento.

Assim, quando um pensador, mesmo alinhado, dispõe-se a pensar, saudável destacá-lo. Em meio a algaravia de imprecações de quem não quer ouvir, mas apenas colecionar likes de seus pares já convertidos, lê-se o ensaísta Luiz Sérgio Henriques n’O Estado de S. Paulo de domingo, 16.

Considerado um dos maiores estudiosos de Antonio Gramsci no Brasil, Henriques ataca os extremos e enaltece o argumento. A verve reflexiva que adota ao longo do texto reflui quando trata de sentenciar mal intrínseco dos antagonismos, ou seja, a exasperação da homofilia, “o amor ao que é igual a si mesmo e a aversão ao que é diferente”.

“Sair do círculo vicioso desta esquerda e desta direita, relegando-as às margens, será a missão dos democratas, sem exceção”, sentencia no parágrafo derradeiro. Henriques não o disse, mas se pode inferir: o caminho que leva à tolerância, essência da democracia, é extirpá-las pelo voto, pela argumentação equilibrada, pelo reconhecimento do direito de pensar diferente.

Combater o fundamentalista passa, também, por refrear a tentação hodierna e irrefletida de compartilhar, comentar e gostar de tudo que se lê. Por fim, o mais difícil de todos os exercícios intelectuais: reconhecer que quem pensa diferente pode estar certo.

Consensos requerem debate racional

 

Um bom caminho é se valer da razão em vez do arrebatamento.O liberal Pedro Malan, no espectro ideológico oposto, exemplificou como o debate genuíno pode levar a soluções consensuais.

Nos EUA da década de 1980, quando a percepção de que a crise na previdência era inescapável, uma comissão bipartidária (felizmente eles têm apenas dois partidos, certamente parte da receita de uma democracia estável) sentou-se para o diálogo. Na busca de uma alternativa de consenso, os primeiros passos adotados foram decisivos para o sucesso da empreitada.

“O primeiro foi delimitar com clareza o problema que estavam responsáveis por tratar”, descreveu o ex-ministro da Fazenda. “O segundo foi conseguir que todos concordassem com as dimensões numéricas do problema”.

Malan, então, aspeia uma máxima que poderia servir de parâmetro para nossas encalacradas contendas. “Todos têm o direito a desenvolver suas próprias opiniões, mas ninguém tem o direito de criar os próprios fatos“.

Eis uma receita de racionalidade e sensatez. Para alcançá-la, não tenha dúvida, um bom começo é relegar ao limbo os extremos deletérios que bloqueiam o difícil e inadiável debate sobre como aperfeiçoar nossa democracia. Sem ela, restará a tirania dos convertidos.

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