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Acaso e serendipidade

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Acaso e serendipidade são frutos do inesperado. O acaso pode ser bom ou mau. Ou trágico, como o acidente de avião que vitimou um grande brasileiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato.

O Brasil tem sido vítima do mau acaso. Assim foi com o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, falecido durante sua campanha para a Presidência em 2014. Outro exemplo foi o presidente eleito Tancredo Neves, que morreu em 1985 sem tomar posse.

O acaso, como diz o Conselheiro Ayres, personagem de Machado de Assis, “tem um voto decisivo na assembleia dos acontecimentos”. No Brasil tem sido, sim, um voto decisivo. No final das contas, o acaso decide tudo. E serve, sobretudo, para desmoralizar as previsões. O que fazer? Não há muito o que fazer. Mas, pelo menos, alguma coisa.

A morte de Teori enseja, como habitual no país em momentos de reflexão superficial, uma torrente de especulações. Para decepção de muitos, no entanto, o acaso existe, até mesmo durante o voo de uma aeronave excelente pilotada por um profissional experiente.

Em um livro espetacular (A lógica do cisne negro), o analista de riscos líbano-americano Nassim Nicholas Taleb ensina que ninguém sabe quando nem como vão acontecer as coisas que realmente importam. Para ele, a força do inesperado é a chave para se compreender o mundo, conforme escrevi certa vez aqui mesmo. E esta é a lição número 1.

Quem poderia prever o que aconteceu com Teori? Se o destino está nas mãos do inesperado, seria ele escrito previamente? Ou o destino seria apenas um pincel desorientado deslizando na tela branca do futuro? Um pincel frouxamente empunhado pelas mãos de um deus infantil que ora se alegra, ora se enjoa da raça humana. E que, eventualmente, por birra ou inabilidade, derrama o pote de tinta na tela.

Aliás, uma analogia de ocorrência do acaso pode ser vista na famosa cena de O grande Lebowski, em que Julianne Moore, pendurada em roldanas, sacode violentamente dois pincéis e espalha tinta sobre uma tela. A cara de susto e surpresa de Jeff Bridges é marcante. Está aqui para quem quiser ver.

O óbvio é ser pessimista a respeito do acaso. Assim, a lição número 2 é não ser, necessariamente, pessimista. Existe um anglicismo que nos salva: serendipidade. Refere-se a acontecimentos decorrentes do acaso com efeitos felizes e benéficos. A descoberta da penicilina, quebra do códigos secretos dos nazistas e a invenção da ciclosporina, remédio anti-rejeição usada em transplantes e tratamentos, entre muitos outros, foram fruto da serendipidade.

Como latinos, utilizamos pouco a expressão. Colocamos o bom e o ruim na conta do acaso. Talvez isso seja um pouco pesado para um termo só. Mas as coincidências felizes existem. Como a americana que ganhou, sem ter esquema de corrupção, cinco vezes nas loteria!

Em sendo assim, e já que estamos nas mãos do acaso, devemos tomar algumas providências. E esta é a lição número 3: trata-se de bem interpretar o que se passa e evitar as sensações. Até porque, apesar de nossa grande quantidade de informações, prosseguimos ignorantes. Especialmente no Brasil. E não falo dos analfabetos.

Como diz frei Vicente Bohne em suas homilias, “a tendência do ser humano é interpretar um fato a partir de suas sensações; conforme lhe pareça agradável e desagradável”. E ele conclui afirmando que, dessa forma, o homem não consegue alcançar a verdade.

Frente ao acaso e à serendipidade devemos não apenas buscar em nossas sensações a interpretação para os fatos. Até mesmo porque estes são muito mais complexos do que nosso raso conhecimento e nossa vontade de querer aprender mais.

A abundância de informação nos dá a falsa sensação de poder. De saber tudo ou saber muito mais do que sabemos. Mas não é bem assim. Sabemos só mais ou menos. Por exemplo, não sabemos como o federalismo funciona. Tampouco sabíamos que o juiz Sérgio Moro não poderia substituir Teori como relator da Lava-Jato no Supremo.

Além da enorme dificuldade para lidar com a informação, muitas vezes de má qualidade, temos ainda nossa reflexividade precária sobre os fatos. E, para piorar, adoramos uma narrativa novelesca. Sem drama, não tem graça.

Daí as sensações serem o conforto e o caminho para as interpretações óbvias sobre os acontecimentos. Seria muito mais simples se assim fosse. Mas, para bem e para o mal, não é.

Publicado no Blog do Noblat em 27/01/2017

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