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Reféns

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O mundo político brasileiro é refém de Michel Temer. O presidente da República vive em situação precária porque depende, dia a dia, de acordos entre parlamentares, da boa vontade dos partidos e da conversa harmônica dos poderosos chefes dos poderes. É difícil equilibrar todos os pratos deste moto perpétuo. O Brasil não é para principiantes. Um ciclo está em estado terminal, mas o novo ainda não apareceu. Neste interregno todos dependem da sobrevida do chefe de governo. Se ele cair, cai junto com ele o sistema político-partidário.

Há quem tenha a nítida percepção dos imensos riscos existentes no momento. Os incendiários do governo Dilma perceberam a extensão do estrago por eles produzido. Recolheram suas opiniões a ambientes restritos. As eleições municipais praticamente varreram o PT do mapa político nacional. E da ex-presidente Dilma Rousseff chegam apenas relatos de que ela está fazendo compras em supermercados no Rio de Janeiro. Daqui a uns dias possivelmente será flagrada na praia. Sua candidata a prefeito da cidade não chegou ao segundo turno. Ela está, portanto, liberada para encontrar sua paz.

Mas o desemprego chega a 11,8% ou mais de 12 milhões de pessoas que procuram e não acham meios suficientes para garantir sobrevivência digna. O que foi prometido antes virou poeira. Era miragem. Desapareceu. Os ganhos dos trabalhadores foram consumidos pela inflação dos últimos meses. O fenômeno foi projetado e planejado pelos ideólogos da nova matriz econômica, que jogou o país em pavorosa recessão. Alguns anos serão necessários para que o Brasil se reencontre com os bons números de crescimento econômicos verificados no passado. Tempo enorme jogado fora.

Há boa vontade com o presidente Temer. A Bolsa de Valores subiu, o dólar caiu de preço, a inflação parece estar contida, mas os números da economia indicam que a retomada do crescimento ainda não ocorreu. O Dia da Criança, uma espécie de segundo Natal para os comerciantes, teve resultado inferior ao do ano passado. Em 2015 ainda estava em vigor o governo Dilma com seu conjunto de frases incompletas e projetos inacabados. Portanto, o momento de agora é o pior do pior.

O presidente faz seu esforço no exterior. Ele precisa se credenciar como interlocutor confiável. Já andou por meio mundo nos poucos meses em que ocupa o Palácio do Planalto. Cumprimentou pessoalmente os principais líderes internacionais. Mas política externa exige tempo para se consolidar. O vento liberal sopra forte na América do Sul. A crise da Venezuela expõe de maneira dolorosa a crise dos chavismo, cujas consequências são conhecidas: inflação, desabastecimento, crise cambial profunda. Está acontecendo no país vizinho. A consequência visível está na fuga de milhares de venezuelanos para Roraima, no norte do país. Nicolas Maduro produziu refugiados na América do Sul.

O ano de 2016 vai entrar para a história como o das grandes decisões. A principal delas foi o impeachment de Dilma Rousseff, depois a cassação e prisão de Eduardo Cunha. O conflito de poderes entre Judiciário e Legislativo e o esforço do presidente da República para manter em pé este andaime político todo remendado figuram em destaque no período turbulento. A natureza não tolera o vácuo. O vazio é preenchido rapidamente. Os poderosos medem forças porque há espaço para o rugir das feras institucionais.

No fundo deste cenário muito confuso, os juízes e policiais federais que atuam na operação lava jato e seus desdobramentos continuam a recolher provas e ouvir depoimentos. Nas próximas semanas, o time da Odebrecht vai entrar em campo. A empreiteira foi uma espécie de poder paralelo na República. Honrou compromissos, construiu prédios, rodovias, sistemas de transportes complexos, hidrelétricas e tudo mais. Sempre entregou o prometido. E pagou para quem a auxiliou a alcançar seus objetivos. A delação dos executivos da empresa deve pegar em cheio algo em torno de uma centena de parlamentares de todos os partidos e das mais diversas regiões do país.

Parlamentares também desejam se proteger. Assim a anistia para quem se utilizou de caixa dois seria muito bem vinda. Mas como punir a empresa e perdoar o beneficiado? Políticos sabem dar nó em pingo de água. Vão inventar alguma receita que permita sobreviver ao tsunami já visível no horizonte. Mas é preciso ter noção de que se os políticos balançarem muito o andor, o santo despenca. E se o homem forte do Brasil cair, agora, quem terá autoridade para substituí-lo nos próximos tempos?

Somos todos reféns de Temer.

Publicado no Correio Braziliense em 29/10/2016.

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