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A água do banho

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No recente episódio do embate entre o senador Renan Calheiros versus autoridades judiciárias, poucas vezes assistimos tanta gente errando junto. Um juiz de primeira instância fazer – sem aval do STF – operações nas dependências do Senado contra servidores que agiram obviamente sob o comando de senadores causa, sim, estranheza. É obvio que, em última instância, a ação é contra senadores, o que foge a sua competência.

Para processar um senador só o STF pode fazê-lo e o Senado tem, inclusive, o poder de impedi-lo legalmente, adiando o processo. A indignação de Renan tem fundamento e extrapola em muito seus interesses pessoais e imediatos, pois se cria um precedente perigosíssimo. Mas daí a desqualificar o juiz, chamando-o de juizeco, vai uma grande distância. É inaceitável.

Dizer também, que as varreduras são obstrução da Justiça e contra a Lava-Jato, além de ser um absurdo despautério, é preocupante. Não havia nenhum grampo com aquela origem, mas se houvesse, nem isso desaconselharia tais varreduras num ambiente, como é o de hoje no Brasil, em que todo mundo grampeia ilegalmente todo mundo, tendo se disseminado em múltiplas instâncias, tanto os equipamentos para que sejam realizadas quanto a disposição e hábito de fazê-lo.

Ações ilegais de investigação e bisbilhotagem ilegal de grupos de interesse se multiplicam. O próprio MP tem diversos antecedentes de investigações ilegais (basta lembrar do procurador Guilherme Schelb impune, e seu bunker clandestino, no andar vazio do prédio da Previdência, durante o governo Fernando Henrique, ou do procurador Leonardo Bandarra, liderando a quadrilha da caixa de Pandora no DF). Só isso já justificaria uma lei contra os abusos. E se houver abusos do Ministério Público nas investigações, estas também têm de ser reprimidas.

Mais ainda, obviamente não há nenhuma obstrução de justiça – como alegaram – em proteger-se contra essas práticas que, flagradas, não se sabe nunca se são legais ou ilegais. A tese que se levanta, agora, contra os posicionamentos do presidente do Senado, protege, portanto, tanto as escutas ilegais – na medida que inibe seu combate através das varreduras, favorecendo o florescimento de uma república exposta e vulnerável ao grampo, feito por qualquer bandido – quanto protege os abusos porventura cometidos por procuradores e juízes. A Lava-Jato não poder precisar de abusos e exigir retidão de conduta de seus agentes não é defender Renan nem qualquer outro investigado.

Nas redes sociais os erros gritantes são do público em geral, que condena posições por mera empatia – positiva ou negativa – com o protagonista que a proclama. Infelizmente, essas posições de viés predominantemente passionais, são apoiadas por inúmeros intelectuais sérios, mas aqui contaminados pelo clima de opinião. A imprensa, por seu lado, faz o mesmo e a crítica racional – de um modo geral – lhe passa ao largo.

Quase todos confundem a substância da causa com seu humor em relação aos personagens. Quem não gosta de Renan mostra-se leniente com abusos desde que fira o senador. Jogam fora a criança das garantias e direitos constitucionais, do balizamento do estado de direito e da independência e harmonia entre os poderes, junto com a água suja do banho do combate à corrupção.

Ninguém, de boa fé, pode dizer que não conhece ou não sabe nada dos abusos históricos do Ministério Público. E não estou falando necessariamente daqueles que por desventura ocorram agora contra o PT, ou qualquer de seus membros ou aliados, que os praticam há muito, contra todos os presidentes e suas equipes: FHC, Collor, Lula, Temer.

Trata-se, na minha opinião, de um perigoso projeto corporativo do MP+juízes de amealharem poder e se tornarem uma cidadela imperial, acima da lei e do alcance de todos.

No frigir dos ovos, a conclusão é que erraram Renan, o ministério publico, os Juízes, o público, os intelectuais e a imprensa que acolhe e reverbera, sem crítica, a esses erros. Por fim, há um alerta a ser feito: este projeto vive e se alimenta de nossos próprios desvios e da prevalência de nosso senso de vingança ou forra em detrimento de nosso senso dos princípios de Justiça, porque nos indignamos quando os abusos nos atingem, mas somos sempre lenientes quando o abuso atinge nossos desafetos. Assim eles têm sempre quem os apóie.

Foi assim que barraram – com entusiástico apoio da esquerda populista e caolha – a chamada lei da mordaça, que exigiria que as autoridades judiciárias falassem com sobriedade e apenas no e pelo processo judicial, para evitar a midiatização das causas, do que hoje sentem tanta falta se dizendo vítimas desta midiatização por seus opositores.

O mesmo, é obvio, vai acontecer tanto com a chamada lei de combate a corrupção, que é sob muitos aspectos a consagração do abuso como método de ação, quanto com a lei de combate ao abuso de autoridade, absolutamente necessária para proteger cidadãos pobres e ricos e conter abusos em diversos níveis do estado. Julgá-la sob a luz dos eventuais e presumidos interesses de Renan – que possivelmente existem mesmo – em proteger-se precariamente, é privilegiar o acessório frente ao essencial.

Não se pode admitir que se pegue nem Renan, através de práticas abusivas do estado. O risco é de todos. No atual momento da política brasileira, bom senso é preciso. Oportunismo e ativismo não é preciso.

Por Fernando Jorge C Pereira

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