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A política derrotada

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Não é pequena a incerteza política que sobreveio ao fim do primeiro ciclo histórico pós-ditadura militar no Brasil. O alento é que neste lapso de 31 anos, longo para os padrões brasileiros, o País prossegue consolidando a democracia.

Afinal, que democracia resistiria a duas crises traumáticas representadas por dois impeachments? Somente instituições sólidas e independentes poderiam ter assegurado saída institucional sem intervenção golpista – real, não a da propaganda diversionista da sinistra.

Estas três décadas se encerram com a marca indelével da derrocada de um partido que levou um operário ao poder, numa guinada que rompeu a trajetória oligárquica nacional. Com o PT, em 2002, instalou-se a esperança de que política podia ser feita de maneira diferente, com a intenção genuína de melhorar a vida das pessoas.

Mesmo aqueles que discordavam do estatismo e do maniqueísmo que separava “nós, os bons” de “vocês, os maus” admitiam que o PT representava o novo modo de fazer política. Não à toa, pois a sigla aparentava ser intransigente com a ética.

Ao sucumbir à velha política, a decepção com o PT ampliou-se e deu lugar à apatia e ao ceticismo. De todos os males causados aos brasileiros, como o sepultamento dos fundamentos econômicos assentados nos anos 1990, o mais maldito legado petista foi a derrota da política.

Embora de efeitos duradouros, a crise econômica pode ser contornada com receitas mais ou menos conhecidas. Dependerá, é claro, da disposição e habilidade dos governantes que restarão incólumes depois que a Operação Lava-Jato encerrar sua aparente interminável varredura institucional.

Já a política, canal incontornável para dirimir interesses conflitantes sem o uso da força, sofreu baque irreparável a curto, ou talvez, médio prazo. Se muitos são os culpados, nenhum é mais culpado do que o PT.

Não só pelo que representou em termos de esperança. Mas pela maquinação recorrente, envolvendo todos ao derredor. Enquanto absorvia a máquina estatal como se sua fosse, enredou-se com aliados suspeitos.

Não que os demais partidos apanhados em bilionários delitos fossem ilibados. Mas por que o PT era repositório da nova política. E por que, sem ele, detentor do poder por 13 anos, não seria possível armar um esquema delituoso monumental como denunciado pela Lava-Jato.

Para que votar?

Os sintomas afloraram rápido. Ainda insondável, o prefeito eleito de São Paulo, João Doria, venceu um inédito primeiro turno paulistano entre outros motivos porque se vendeu como apolítico. “Não sou político, sou gestor”, repetiu com insistência o tucano.

Claro que ele é político. A costura para ganhar a indicação do PSDB à prefeitura não seria feita por quem não tivesse esse viés. A mensagem de sua vencedora campanha, no entanto, foi a da antipolítica.

No pleito do último domingo, 2 de outubro, outra mostra da descrença na política como solução para conflitos. Nas 92 maiores cidades brasileiras, 32,5% destes eleitores votaram em branco, anularam o voto ou se abstiveram. Ou seja, para quase um terço tanto faz votar ou não.

Entre os cariocas, 42,4% disseram não a todos. Em Belo Horizonte este índice foi de também espantosos 43%. Em dez capitais, o desinteresse foi superior aos votos do primeiro colocado. Formou-se, assim, um contingente de alienados, que certamente seria maior se o voto não fosse anacronicamente obrigatório.

Em 1985, começo do ciclo que finda, o entusiasmo cívico reprimido pelos 21 anos de ditadura brotava nas ruas. A política era a esperança. Hoje, plena de liberdade, a sociedade perdeu o entusiasmo, embora reconheça a democracia como valor inalienável.

Quem não a reconhece são os extremos. A extrema direita, que clama pela volta dos militares ao poder, e a esquerda intolerante. Ambas têm espírito autoritário. Vivandeiros que, no fundo, admitem-na somente para seu exclusivo usufruto.

Não é o caso de Olívio Dutra, fundador do PT e que preservou a autocrítica. Para ele, o PT “agiu com a velha política” e, por isto, merece “levar uma lambada forte porque errou seriamente”. “O PT não pode achar que é vítima”, concluiu.

Se o corretivo vai ser suficiente, não se sabe. A sinistra não costuma aprender com seus erros.

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