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Lava-Jato: o dilema de quem ajuda

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O promotor Deltan Dallagnol, um dos líderes da força-tarefa da operação Lava-Jato, teria levado a alguns ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) sua preocupação com os possíveis pedidos de ressarcimento de recursos feitos pela Corte em obras que estão sendo investigadas no âmbito da operação.

Pela regra, caso o TCU condene empresários e ex-diretores da Petrobras, eles terão de devolver aos cofres públicos os recursos desviados. O problema é que, de acordo com a lei que disciplina o funcionamento do TCU, a responsabilidade é solidária e o poder público confiscará os bens que encontrar primeiro.

Nesse caso, os delatores, que ajudaram nas investigações e indicaram onde estavam recursos e bens adquiridos com o crime, poderiam ser os primeiros a pagar a conta. Caso tal fato ocorra, poderá haver um desestímulo às delações e aos acordos de leniência.

Aqueles que até agora não admitiram culpa, e ainda escondem o dinheiro desviado, dificilmente terão os bens bloqueados pelo TCU. Ou terão mais chances de escapar do bloqueio. É o temor dos procuradores.

A informação é do blog Radar On-Line, da revista “Veja”. Ainda segundo o blog, a preocupação de Dallagnol teria sensibilizado os ministros. Mas ninguém na Corte conseguiu encontrar, até agora, uma solução para o problema, que é bem mais amplo do que parece.

A questão decorre da complexidade e da amplitude da Lava-Jato e de seus múltiplos desafios: conflitos de jurisdições, múltiplas negociações e indefinições sobre de quem é a competência para fechar acordos e qual o alcance de cada um deles.

Resta impraticável uma empresa ter que negociar vários acordos de leniência – com, por exemplo, o Ministério Público, a Advocacia Geral da União e a Receita Federal – e a implementação de tais acordos ser inviabilizada pela decisão de outro órgão. Como no exemplo levantado pelos promotores da Lava-Jato em relação ao TCU. O que fazer?

A colocação do problema por Dallagnol é muito bem-vinda, na medida em que força o Ministério Público a buscar uma solução sistêmica para o problema. É preciso haver um entendimento entre todos os organismos envolvidos sobre os efeitos dos acordos de leniência e de delação. Deve existir uma coordenação entre todos os organismos envolvidos na negociação dos acordos e que eles tenham validade definitiva.

Em minha opinião, cabe ao Ministério Público, no interesse do povo, liderar o debate juntamente com a CGU, a AGU, a Receita Federal e, ainda, o TCU. Os acordos devem ser firmados em tempo e condições pré-determinados, e que possam, após serem firmados, dar segurança jurídica a todos.

Empresas devem, após o acordo, ser liberadas para voltar a operar normalmente. E não cabe fazer uma analogia com as milícias, como alguns fizeram. Milícias são ilegais desde o nascedouro. Não praticam crimes de forma ocasional. São estruturas criminosas sempre. Não é o caso das empresas.

Muitas empresas no exterior foram pegas em escândalos de corrupção e voltaram a operar a partir de acordos e pagamento de multas. Caberia, por exemplo, eliminar a Volkswagen por conta da falsificação nos dados de emissão de poluentes? Claro que não.

Não devemos esquecer os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O que, evidentemente, não significa em transigir com o que reza a lei.

Publicado n’O Tempo em 05/09/2016.

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