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A grande ruptura

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Acabou a trégua. Reinicia a guerra. A trégua foi útil para mostrar ao mundo que temos capacidade de organização, de fazer coisas boas e bonitas. E mostrar também para nós mesmos. O fôlego foi bom, porque a guerra não é fácil, com todos os problemas que enfrenta o País, desde a crise fiscal até o desemprego crescente. E o pior é que também crescem o despreparo dos hospitais e a violência urbana.

É quase certo que iniciaremos o próximo mês com um novo Presidente. E o interino Temer, que está no exercício há quase três meses, terá que demonstrar que é capaz de reverter as tendências da nossa economia, a caminho do buraco desde o final de 2014. E se não for? E se o seu governo fracassar como o fez o de sua antecessora? Em qual situação estaremos?

Esse é um prognóstico que só os mais pessimistas, e os defensores da tese de golpe – coisa mais ridícula – têm coragem de explicitar. Uma minoria, sem dúvida. Mas, em certas situações, a maioria não resolve. Estatisticamente estamos mais confortáveis, mas elas não garantem a saída.

Este fato lembra-me o livro de Paul Gilding, este australiano, antigo dirigente do Greenpeace e consultor de empresas, hoje um misto de militante ambientalista, consultor e acadêmico, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Seu livro – A grande ruptura – foi lançado em 2011, pouco antes da Conferência sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente, também conhecida como Rio+20. E de enorme sucesso por causa de sua tese, que é simples.

Para Paul Gilding o mundo caminha para uma crise sem precedentes, e que mudará completamente nosso modo de vida, destruirá amplas economias e pessoas, e não há como evitá-la. Como todo sistema complexo, o mundo quando alcançar seus limites o fará de maneira caótica, e não suave. Baterá nos limites de formas diversas, e por muitas vezes, em várias direções.

“Eles batem contra estes limites, caem e tentam novamente até bater de novo. O sistema continua se batendo contra seus limites…até que desiste. E, então, entra em colapso, que durará décadas, com crises financeiras, falências de indústrias, migrações em massa, subida extraordinária de preço dos alimentos, crescimento zero, somados a eventos críticos extraordinários….por décadas. E, naturalmente, número maior de guerras e ações terroristas. Perdas inimagináveis de vidas humanas. Destruição de Estados.”

Contudo, isso não significará o fim do mundo, pois será seguida da adoção de medidas radicais. Que não terão resultados imediatos, mas que modificarão completamente nosso mundo de produção e estilo de vida. Sua imagem de referência para este salto é a Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, em poucas semanas, medidas extraordinárias foram tomadas, como a suspensão da fabricação de automóveis, a mobilização generalizada para a guerra, o controle do consumo, inclusive de alimentos. O mesmo ocorreu na, então, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E na Inglaterra.

A singeleza de sua tese é impressionante: a crise é inevitável, nos trará imensos sofrimentos, a humanidade será reduzida em seu tamanho, mas inventaremos formas de superá-la. Um misto de descrença na humanidade – somos incapazes de nos anteciparmos – e de crença: somos capazes de criar soluções novas, e eficazes, quando tudo parece perdido. Lembra os dois livros casados de Morin: Em direção ao abismo e A via?

Não creio que as tintas usadas pelo australiano estejam em conformidade com a crise que enfrentaremos no caso do fracasso do governo Temer, mas estaremos próximos. Sobretudo porque a crise terá tudo para persistir após 2018, mantidas as mesmas regras do jogo. E por uma simples razão. A crise não foi produzida apenas pelas tolices da “presidenta”, estas apenas a aceleraram.

Suas raízes são mais profundas. E estas, nos recusamos a ver, analisar e compreender. O corporativismo de operários, servidores, empresários, políticos, juízes, entre outros, nos impedem de tomar as medidas necessárias para evitar a grande crise. A regras da representação distorcem os reais interesses da sociedade. Não há mecanismos que fomentem as mudanças.

Talvez necessitemos bater no muro, por diversas vezes, arrebentar, para tomar as medidas corretas, confirmando a tese de Gilding. Tomara que não.

Por Elimar Pinheiro do Nascimento, sociólogo, professor e pesquisador da Universidade de Brasília

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