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Herança maldita na infraestrutura

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Uma noção clara do tamanho das dificuldades que a recente experiência de governos do PT deixará para o País não existirá tão cedo. Em artigo de 5/8 nesta página, com a discrição que sua função recomenda, o dirigente de uma associação da área tocou num ponto que talvez as pessoas ainda não tenham notado: o impacto devastador dos equívocos do governo Dilma sobre a última safra de concessões rodoviárias (2013). Isso implica séria ameaça ao esforço de expansão da infraestrutura, tão importante no difícil momento que vivemos. Não só são enormes os gargalos nesse segmento, como se trata de um dos setores em que é maior o efeito do aumento dos investimentos sobre o crescimento do PIB via aumento de produtividade.

Na busca de reeleição a qualquer custo, Dilma passou a adotar uma série de medidas populistas que provocaram forte deterioração no quadro macroeconômico do País, como se verifica pela comparação entre os valores efetivamente observados (ou as projeções atualizadas) das principais variáveis com impacto no retorno dos projetos e aqueles que se projetavam à época das licitações. Em consequência, a taxa de crescimento do PIB acumulada em 2014-2016 mostrou, pela primeira vez desde o início do século 20, um número negativo tão alto para três anos seguidos (-7%), enquanto a mediana das previsões de mercado para o mesmo cálculo indicava, como divulgou o Banco Central no início de 2013, algo ao redor de 11,4%. Juntando estas duas parcelas, chega-se à impressionante frustração de crescimento do PIB e, pois, de receita dos projetos licitados naquele ano, da ordem de 19,1%, considerando só o período 2014-2016. Esse foi, sem dúvida, um tiro certeiro no coração dos contratos de concessão acima referidos.

Somem-se a isso as perdas decorrentes das frustrações no comportamento de outras variáveis macroeconômicas relevantes para o cálculo da taxa de retorno dos projetos de concessão. O custo do dinheiro, por exemplo, representado pela Selic, terá aumentado 54% em 2014-2017, em relação às projeções feitas em 2013.

Outras intervenções governamentais que prejudicaram as concessionárias incluem, segundo se noticia, o atraso nas concessões de licenças ambientais e o descumprimento das promessas de financiamento pelo BNDES. Com a intenção de reduzir a tarifa ao mínimo imaginável para o usuário, o governo assumiu o compromisso de o BNDES financiar 70% dos projetos com juros subsidiados, o que reduziria substancialmente o custo de capital. Sob essa importante premissa, as concessionárias fizeram seus lances no leilão, só que, uma vez assinados os contratos, o governo voltou atrás e a participação do BNDES caiu para 45%, afetando fortemente sua rentabilidade.

Numa concessão, o ente privado assina um contrato que contempla uma distribuição de riscos capaz de garantir remuneração justa para si e tarifas adequadas para os usuários. Ainda que riscos de mercado sejam tipicamente responsabilidade do setor privado, o prejuízo decorrente de eventos totalmente imprevisíveis e de alto impacto sobre as variáveis de mercado, com forte repercussão sobre a rentabilidade de um projeto, não pode recair inteiramente sobre as concessionárias, especialmente quando atos do governo são a causa básica do problema. Para cobrir tal risco, o valor das tarifas teria de ser absurdamente alto, inviabilizando a concessão. O ideal, assim, seria permitir uma renegociação ampla dos contratos, conforme explicarei em maior detalhe no Fórum Nacional do Inae, em 14-15 de setembro. Imagino que, sem isso, as concessionárias terão pouca escolha. Serão compelidas à decisão extrema de devolver a concessão, o que lhes infligiria, de qualquer forma, um enorme prejuízo nos atuais tempos bicudos, e praticamente inviabilizaria a expansão da infraestrutura pela única porta aberta neste que é um país onde, vira e mexe, estamos às voltas com alguma crise fiscal aguda.

O artigo de Raul Velloso foi publicado originalmente no Estadão.

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