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Judiciário precisa de uma profunda reforma

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As agruras do Brasil não se limitam às crises econômica e social, e ao crônico processo de corrupção. Há uma montanha de problemas de toda ordem. Destaco um deles. O desapreço coletivo pelas leis, consistindo não apenas em seu sistemático descumprimento, mas em uma absoluta indiferença com o que é inconstitucional.

A guerra fiscal do ICMS, tida como inconstitucional por robusta jurisprudência do STF, persiste há décadas, em virtude da morosidade e ineficácia do processo judicial, e da lacuna legislativa concernente ao disciplinamento da matéria por lei complementar, conforme previsto na Constituição.

A atual crise fiscal dos Estados, em parte explicada pela irresponsabilidade na concessão desses benefícios inconstitucionais, inspirou medida, aprovada pelos Secretários de Fazenda, que pretende reduzir em 10% o valor dos incentivos.

Há rumores de que os beneficiários dos incentivos fiscais ingressarão, na Justiça, para suscitar a inconstitucionalidade da medida. Assim, será arguida a inconstitucionalidade da redução de um benefício também inconstitucional. Um enredo tipicamente kafkiano.

Em fevereiro de 2010, o STF decidiu, por unanimidade, que os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) eram inconstitucionais, porque fixos (Lei Complementar nº 62, 1989), contrariando mandamento constitucional que os vinculava à correção dos desequilíbrios regionais de renda. Modulou, entretanto, os efeitos dessa decisão para que o Congresso estabelecesse, até o final de 2012, partilha compatível com a regra constitucional.

Findo o prazo, sem qualquer deliberação do Congresso, governadores ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade, por omissão, postulando a manutenção dos critérios tidos como inconstitucionais.
O Presidente em exercício do STF concedeu liminar fixando prazo, até junho de 2013, para aprovação da nova sistemática, o que, na prática, correspondeu a uma nova modulação, não prevista no regimento da Corte Suprema.
Somente em 17 de julho de 2013, foi sancionada a Lei Complementar nº 143, que, inopinadamente, preservou, até o final de 2015, os critérios de rateio julgados inconstitucionais.

Em resumo, uma lei complementar de 1989 foi julgada inconstitucional em 2010, sendo, todavia, mantidos, até o final de 2015, os mesmos critérios que a tornaram inconstitucional. São mais de 26 anos de inconstitucionalidade consabida, sem causar nenhuma perplexidade.

A Lei nº 13.254, de 2016, que visa à regularização de ativos mantidos ilicitamente no Exterior, é uma exuberante coleção de inconstitucionalidades. Em suma: cria imposto novo, sem observar a exigência constitucional de lei complementar; vincula o produto da arrecadação de multa, inequivocamente, tributária a fundo, ferindo vedação constitucional; procede à remissão tanto de tributos federais quanto de estaduais e municipais, em ambos os casos desatendendo a preceitos constitucionais. Tudo isso sem falar de problemas operacionais e legais.

Não seria mais razoável rever a lei? Afinal, tal como está, ela pode resultar ineficaz, além de promover longas querelas judiciais.

Esses exemplos de menosprezo à ordem legal são tão somente evidências de uma patologia mais complexa, traduzida pela crescente degradação dos valores no País.

Henry Kissinger, em desavergonhada confissão, dizia que “no governo Nixon, o que era ilegal fazíamos imediatamente, já o inconstitucional demorávamos um pouco mais para fazer”. No Brasil, demos um passo à frente: o inconstitucional é feito em um piscar de olhos.

O STF, por óbvio, não responde por esses despautérios, porque nem é autor legislativo, nem tem iniciativa em ações judiciais. De mais a mais, fica sobrecarregado por matérias que jamais deveriam ser apreciadas por aquela Corte, a exemplo do ignominioso foro privilegiado e de excêntricas questiúnculas, como a que agora se examina: o Sport Club do Recife foi campeão brasileiro de 1987 ou deve dividir o título com o Flamengo? O Judiciário precisa de uma reforma profunda.

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