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“Uma boa reforma só daqui a duas eleições”, diz Angela Cignachi

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Uma das maiores especialistas do país em direito eleitoral, a advogada Angela Cignachi analisa o cenário do pleito deste ano sob as novas regras e afirma que uma Reforma Política para valer só funcionará se entrar em vigor daqui a duas eleições.

 

Quais as principais mudanças nas regras eleitorais para este ano?
Este ano, quem pretende se candidatar a cargo eletivo deve ter se filiado a um partido político até o dia 2 de abril de 2016 (e não mais um ano antes do pleito), já que as eleições municipais serão realizadas no dia 2 de outubro de 2016. Antes do início da campanha eleitoral, os políticos poderão se apresentar como pré-candidatos (desde que não haja pedido expresso de voto), sem que isso caracterize propaganda eleitoral antecipada. Eles também poderão expor suas posições pessoais sobre questões políticas, e podem ter suas qualidades exaltadas, inclusive em redes sociais ou eventos, sem que isso enseje punição. Foram limitados os gastos eleitorais para cada cargo eletivo em cada município brasileiro, os quais estão disponíveis para acesso no site do TSE, e esta será a primeira eleição na qual é proibida a arrecadação de recursos oriunda de pessoas jurídicas.

Que novas datas e prazos devem ser observados?
A data de realização das convenções e o pedido de registro de candidatura também foram alterados. Agora, as primeiras devem ocorrer entre os dias 20 de julho e 5 de agosto, e o segundo deve ocorrer até as 19 horas do dia 15 de agosto de 2016. O tempo de campanha eleitoral a partir deste ano é de 45 dias, começando em 16 de agosto. E o período da propaganda gratuita no rádio e na televisão foi reduzido para 35 dias, com início em 26 de agosto. Também foram feitas alterações relativas aos tempos diários de cada propaganda eleitoral gratuita.
O fim do financiamento de empresas deve reduzir o caixa dois das campanhas? Tenho a impressão de que a proibição de financiamento por parte de pessoas jurídicas poderá aumentar a ocorrência de caixa dois nas campanhas. Tenho dificuldade de acreditar que apenas proibindo esse tipo de doação – por parte dos indivíduos – o caixa dois se reduzirá. Parece-me que será o contrário.

Por que o TSE proibiu o crowdfunding?
O TSE elencou algumas razões para afastar a possibilidade de crowdfunding nas campanhas. Entretanto, me parece que o Tribunal demonstra grande desconforto com novas tecnologias, pois todos os argumentos utilizados são facilmente rebatidos ou, pelo menos, possuem solução aparente. Não se pode negar que o crowdfunding teria o potencial de aumentar a doação eleitoral de pessoas físicas, à medida que pessoas em geral, sem vínculo com partidos, se mobilizassem para apoiar determinada candidatura com a qual estariam se identificando. Além disso, seria uma forma facilitadora para que candidatos com menos recursos e sem apoio de grupos sociais organizados recebessem doações eleitorais. Acredito que essa discussão sobre o crowdfunding ainda volte a ser tema nas próximas eleições.

Cada candidato a prefeito em São Paulo só poderá gastar R$ 45 milhões. Apenas com doações de pessoas físicas eles terão condições de arrecadar esse montante?
Esses recursos poderão vir de pessoas físicas e também do fundo partidário. Mas, certamente, as doações de pessoas físicas serão infinitamente menores do que os recursos advindos do fundo. E aí, com escassez de recursos na conta da campanha, a chance da ocorrência de caixa dois aumenta.

A Reforma Política voltou à pauta com a eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara. A senhora acredita nessa nova tentativa? Quais seriam os seus principais pontos?
Uma Reforma Política verdadeira – e não reformas eleitorais pontuais, como temos visto – só tem chance de ser aprovada se for estipulado o início da sua vigência para, no mínimo, duas legislaturas seguintes. Nenhum parlamentar vai votar favoravelmente alterações legislativas na Constituição ou na Lei Eleitoral que coloquem em risco ou prejudiquem a campanha seguinte, da qual ele deve participar. A lei é ruim, mas foi com ela que ele se elegeu. Mudar para quê, então? Mas que a reforma é necessária, sem dúvida, é. Alguns pontos essenciais a serem discutidos são o sistema eleitoral, a possibilidade de reeleição para chefes do Poder Executivo, a igualdade de gênero, entre outros. Urge também uma reforma no Código Eleitoral e nos procedimentos eleitorais adotados no Brasil.

O sistema do voto impresso, aprovado pelo Congresso, deve funcionar?

Se essa nova exigência prevalecer mesmo até 2018 (digo isso porque até essa data a legislação poderá ser alterada ou o Supremo Tribunal Federal poderá analisar sua constitucionalidade), a Justiça Eleitoral deverá se adequar ao novo modelo e realizar as eleições gerais da forma determinada. Acredito que o aspecto mais relevante e motivador à resistência do TSE em admitir o voto impresso é o custo para sua implementação, que, em 2015, foi estimado em R$ 1,8 bilhão. Considerando o custo da eleição de 2016 para a Justiça Eleitoral em torno de R$ 750 milhões, realizar o pleito com voto impresso encareceria demais as eleições no país.

Qual o impacto e o alcance das mudanças no cálculo do tempo do horário no rádio e na televisão?

De todas as alterações normativas referentes à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, o maior impacto será na forma de divisão do tempo, em razão da representação dos partidos políticos na Câmara dos Deputados. Isso porque, a partir deste ano, nas eleições majoritárias, em caso de coligação, somente serão contabilizadas as representações dos seis maiores partidos que integram a coligação e não mais de todos os partidos, como era até a última eleição.

Na prática, veremos que os partidos pequenos, que comumente eram chamados a compor coligações justamente em razão do tempo de propaganda no rádio e na televisão – o que se convertia em sua moeda de troca – não terão mais como barganhar, já que os grandes partidos perderão o interesse no ingresso das legendas menores nas coligações a serem formadas. Salvo se algum pequeno partido tiver como filiado um personagem muito conhecido da população.

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