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A nobre e amarga trajetória da esquerda

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A expressão esquerda, como categoria política, nasce no século XVIII, por ocasião da Revolução Francesa quando, no Parlamento, os Jacobinos sentaram-se à esquerda, e os Girondinos, à direita. Os primeiros pediam a deposição e condenação do rei, se aproximavam mais dos plebeus e pregavam a violência como forma de fazer política. Os segundo eram contra a violência e se aproximavam dos nobres.

No século XIX, a expressão esquerda designava os partidos que se colocavam junto aos trabalhadores fabris no começo da revolução industrial, submetidos a condições míseras de trabalho e remuneração, além de excluídos da participação política. Nas suas diversas vertentes, que não eram poucas, lutaram e contribuíram de maneira relevante para a construção da democracia, do Estado Moderno e dos direitos trabalhistas. Esquerda era sinônimo de luta pelos direitos dos trabalhadores, de luta pela justiça social.

No século XX, as principais vertentes de esquerda, comunistas, socialistas e sociais democráticos, ascenderam ao poder. Os primeiros, aonde ascenderam o poder construíram regimes autoritários, e quando na oposição, com a base social dos sindicatos de trabalhadores fabris, continuaram pressionando para ampliar os direitos trabalhistas. Os socialistas e, sobretudo os sociais democratas, criaram a forma de Estado moderno mais perfeita que conhecemos, o Estado do Bem-Estar-Social, com amplos direitos aos trabalhadores. Contudo, pelo fato da social democracia defender o diálogo entre o capital e o trabalho, e pela força estatal dos primeiros, a esquerda identificou-se mais com os partidos comunistas, Brasil inclusive. Havia tendências discordantes como os trotskistas e os católicos de esquerda, porém, em geral, minoritários e pouco expressivos.

Em 1989, a queda do muro de Berlim revelou o quanto era falso o discurso de igualdade e eficiência dos comunistas. O regime stalinista desnudou-se, revelando sua face ditatorial. Com isso, no final do século XX a boa imagem da esquerda ficou comprometida. Sua identidade maior era com o autoritarismo. Nos países ocidentais desenvolvidos o comunismo foi abandonado em troca de um socialismo democrático. Mas pouco convenceu. Todas essas tentativas, a mais importante tendo sido a da Itália, resultaram em partidos políticos pouco expressivos. O mundo mudou com a queda do muro de Berlim, mas a esquerda, não só a dominante não conseguiu se reciclar.

Os sindicatos dos trabalhadores fabris, que antes lutavam para ampliar a inclusão social, passaram a lutar em sentido inverso. Tornaram-se corporações fechadas. Ou seja, para assegurar os direitos obtidos criaram uma barreira contra a inclusão dos trabalhadores informais. Se seu emprego está ameaçado, como na indústria automobilística, por exemplo, pressiona o Estado para obter subsídios em desfavor dos serviços prestados ao restante da sociedade. Assim, se os primeiros têm ticket refeição e passagem de ônibus, os segundos têm que buscar emprego com os recursos próprios, ou seja, quase nenhum. Nada os protege.

Por sua vez, os problemas maiores da sociedade, como o vício do crescimento econômico que esgota os recursos naturais e nos ameaça com um colapso civilizacional, são vivenciados pela esquerda do mesmo jeito que a direita, na indiferença. A doença do consumismo, que alimenta a marcha do crescimento irracional, a aprisiona como a todas as outras correntes politicas sem distinção. Seus instrumentos para enfrentar a concentração desmedida das riquezas ou o poder crescente do capital financeiro são inócuos. Suas posições de defesa dos direitos dos trabalhadores alimenta a roda da exclusão social da maioria. Prisioneira do corporativismo é uma força política em decadência, pela incapacidade de compreender as transformações que conformam o mundo atual e desenhar propostas consistentes. Defende, na verdade, a velha ordem.

Resta a esperança de novas correntes políticas que têm surgido nos últimos anos, sobretudo na Espanha e Itália, assim como movimentos sociais singulares, como Ocuppe Wall Street, nos Estados Unidos. Todos frágeis, apenas iniciando a prova do jogo político democrático e a condução do poder, e nem todos reivindicando a condição de esquerda.

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