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“O político não pode mais proteger seus cúmplices”, diz Murillo de Aragão

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*Entrevista com o presidente da Arko Advice, Murillo de Aragão, ao jornal Correio Braziliense. Feita pelos jornalistas: Ana Dubeux, Carlos Alexandre, Denise Rothenbug e Leonardo Cavalcanti.

Qual foi o segredo das investigações?
O mensalão trouxe uma revelação que pouca gente percebeu. Revelou que o establishment político não poderia mais proteger seus cúmplices privados. O mensalão levou Marcos Valério para a cadeia, e ele está lá até hoje. Levou a presidente do Banco Rural, que agora está no semiaberto. Mas a penalização dos agentes privados foi absolutamente rigorosa frente à penalização dos agentes públicos. (José) Genoino, João Paulo (Cunha), José Dirceu e outros. Ali, ficou provado que o agente privado não gozava mais da proteção do Estado para ser cúmplice dos poderes públicos nos malfeitos. Essa constatação foi feita pelo Alberto Youssef quando ele foi preso na Lava-Jato e decidiu fazer a delação. Ele justificou a delação dizendo: “Se eles que estão no poder não podem me proteger, por que eu que irei protegê-los?” Quando ele faz isso, é como um dominó, que pode derrubar um dominó com uma área 50% maior que a dele. Então, se iniciou um processo que é interminável. E aí está o segredo da Lava-Jato: as revelações são tão grandes, tão escandalosas, que são impossíveis de serem contidas. Além disso, tem a atitude do juiz Sérgio Moro, de jornalistas. O Brasil jamais voltará a ser o que era antes da Lava-Jato.

E isso termina como? Pode a Mãos Limpas na Itália…
É completamente diferente. Primeiro, o sistema político brasileiro tem uma alta capacidade de regeneração. Segundo, a própria sociedade não quer a inviabilização da política. Terceiro, não temos um Berlusconi como alternativa no Brasil. E quarto: o grave problema do país hoje é a economia. Então, quem resolver minimamente o problema econômico será politicamente forte. Se essa pessoa for envolvida na Lava-Jato, será levada a responder na Justiça, mas outra assumirá e seguirá a mesma orientação. “Ah, o Aécio pode estar envolvido?” Não há uma evidência contundente. Muitos políticos podem continuar, diferentemente do que aconteceu na Mãos Limpas, que atingiu todo o sistema político. Aqui, não. Atinge setores importantes do PMDB, atinge o PT dramaticamente, setores do PP, mas não inviabiliza o sistema político como um todo.

Mas há ministros investigados, no caso do Jucá, outros citados por delatores. E o Temer não consegue se livrar do Cunha…
A gente precisa entender o rito que envolve cada um deles. No caso do Cunha, há um problema que está dentro do

Eduardo Cunha

Eduardo Cunha

Supremo e dentro da Câmara. Não se pode atropelar o processo. Se o Cunha dentro da Câmara tem condições de organizar uma defesa, ele tem condição. O STF, o que fez agora foi o máximo que ele poderia fazer. A solução Cunha terá que ser dada dentro da Câmara. Qualquer um que tentar diferente pode se dar mal. A Dilma foi uma que tentou fazer diferente. Peitou o Cunha com Arlindo Chinaglia, que foi uma decisão medíocre do Mercadante, e deu no que deu. Aliás, o Mercadante tem uma coleção de decisões medíocres. O problema Cunha é um problema da Câmara. Temer tem que ficar longe disso aí. Com relação aos demais, tem que ver o andamento das investigações. Político investigado no Brasil tem centenas, acho que o Congresso tem 80% dos seus integrantes de alguma maneira envolvidos em questões. O que eu acho: se os indícios chegam a um momento crítico ou há um indiciamento claro dentro do Supremo, o governo tem que amputar quem estiver lá nessa situação. Não pode ficar.

A solução Cunha terá que ser dada dentro da Câmara. Qualquer um que tentar diferente pode se dar mal. A Dilma foi uma que tentou fazer diferente.

Qual a cara desse governo?
Esse governo é uma expressão do mundo político, que foi alijado do governo pela Dilma. Não era alijado na época do Lula. A Dilma destruiu o software político do Lula por imperícia, ignorância e incompetência. Esse governo é o resultado dessa destruição. É uma tentativa de o mundo político se organizar e buscar competitividade em 2018. De certa forma, é até generoso, porque sabem que estão hoje convivendo com o inimigo. Aécio sabe que o Serra pode ser candidato, o Alckmin pode ser candidato. O Kassab pode ser candidato ou lançar o Rogério Rosso candidato. O Cristovam pode ser candidato. Quer dizer, tem muitos pré-candidatos presidenciais dentro dessa base. Esse governo é uma expressão do alto clero da política, dos grandes detentores de blocos de poder e de voto dentro do Congresso. E que tem como Temer o maestro. Se ele marchar para o hiperpresidencialismo, não dará certo.

Qual é a expectativa do mercado externo?
O Brasil é um país que é visto como de excelentes oportunidades e de potencial. Esperam que o governo consiga duas coisas: restabelecer credibilidade fiscal e dar regras estáveis para o investimento estrangeiro, principalmente, nas obras de infraestrutura. São essas duas questões. Eles virão aqui felizes da vida para operar estradas, portos, ferrovias, rodovias. Esses setores estavam monopolizados pelas empresas locais. Claro que é importante manter as empresas locais, e um dos desafios do governo Temer será manter essas empresas viáveis. Elas não podem acabar, as empresas envolvidas na Lava-Jato. Mas o que deve ser feito é uma abertura com regras mais claras, as empresas virão.

Rodrigo Rollemberg

Rodrigo Rollemberg

Rodrigo Rollemberg tenta colocar em prática a ideia das eleições administrações regionais. Resolve?
Brasília é um lugar que poderia ter experiências inovadoras de administração porque é pequeno e tem muitos recursos. Realmente, o problema é de gestão porque Brasília é sustentada pelo Brasil. Deveria ser o espelho da excelência da administração pública, da gerência de altíssimo nível. Quando cheguei a Brasília, em 1981, em 1982, meu filho Thiago nasceu no hospital da L2 Sul, serviço público da melhor qualidade. A destruição da qualidade da saúde pública de Brasília eu senti em 1986, quando nasceu o meu segundo filho, num hospital privado. Brasília era para ser o exemplo da administração pública eficiente. Infelizmente, a capital foi capturada pelos interesses corporativistas do funcionalismo local e pelos interesses rasteiros de uma política provinciana e corrupta, que predominou durante muitos anos aqui. O governador Rollemberg teria de se empenhar para resolver essas duas questões: ter uma administração pública eficiente e ter política transparente. Mas isso não é uma batalha de um governo só.

Isso tem a ver com o pacto federativo.
Temos que ter um novo pacto. O modelo de 1988 fracassou. Não temos divisão adequada de responsabilidades nem de tributos. A carga tributária subiu demais, de forma desorganizada. E penalizadora de atividades absolutamente essenciais, como as telecomunicações. Acho gravíssima a centralização do governo. É preciso ter um novo governo, que passe responsabilidades, mas passe arrecadação também. Hoje, o governo dá isenções tributárias que retiram recursos dos estados e prefeituras e distribui aleatoriamente programas de seu interesse político, via PAC, Minha Casa Minha Vida. Isso é a desinstitucionalização do poder. A educação, por exemplo, tem de ser fortalecida no nível municipal. O governo deve ter atribuições específicas: defesa, relações externas, distribuição na arrecadação dos impostos federais, as universidades federais. E fortalecer os estados e municípios.

Em quanto tempo chegaremos a isso?
É um debate para 10 anos, porque a política brasileira, ao contrário da italiana, tem alta capacidade de regeneração.

Por que Brasília chegou a esta situação?
O que aconteceu em Brasília é o retrato do que aconteceu no Brasil. Aqui nunca teve crise fiscal. As pessoas dizem: “A corrupção foi inventada no governo Lula”. Não foi, ela sempre existiu. Só que antes, o Brasil vivia uma penúria fiscal. O orçamento do BNDES era minguado. Ele se multiplicou na era Lula. As obras, os investimentos em infraestrutura, as Olimpíadas, a Copa do Mundo, as oportunidades para o roubo aumentaram imensamente. Brasília nunca teve esse problema. Sempre teve muito dinheiro, e sempre teve cidadania de menos. Dinheiro demais, cidadania de menos. Esse é o caminho para o fracasso de um lugar. O que aconteceu: os grupos de interesse, variados, se apropriaram. É o caso das empresas estatais. Há um conluio entre a alta direção e os funcionários, que acertam regras privilegiadas. Como ninguém reclamou, Brasília virou isso.

O que aconteceu em Brasília é o retrato do que aconteceu no Brasil. Aqui nunca teve crise fiscal. As pessoas dizem: “A corrupção foi inventada no governo Lula”. Não foi, ela sempre existiu.

Dois ex-senadores presos. Não é exemplo?
Brasília deu exemplo por acaso. O acaso é um diretor perverso da realidade. Do mesmo modo que o acaso propiciou a Lava-Jato, propiciou a Operação Caixa de Pandora, que devastou a política local. Estudo muito o acaso nos fatos políticos. Veja a Revolução de 1930. Se João Pessoa não tivesse entrado na confeitaria Glória, no Recife, será que teria acontecido a Revolução? Dez minutos antes, ele havia sido alertado, por amigo, de que deveria voltar para a Paraíba. O amigo disse: “Volte para a Paraíba porque eu sonhei que você seria assassinado”. João Pessoa disse: “Que besteira, eu tenho a minha segurança”. Dez minutos depois, estava morto. O acaso fez a Revolução de 30. Sem João Pessoa assassinado, haveria a Revolução de 30? Tenho minhas dúvidas.

Então, a Lava-Jato é filhote da Pandora.
Sim. Se Durval (Barbosa) não tivesse feito aquelas revelações, o desfecho seria outro. No mensalão, o escândalo nasce como? Nasce na gravação da propina nos Correios, e Roberto Jefferson decide falar. Jefferson teria dito que, se o Lula assegurasse, olho no olho, de que não tinha nada a ver com aquela história dos Correios, ele não levaria aquilo adiante. Foi então que Dirceu – que não deixou Jefferson falar com Lula – inaugurou aquela linhagem na Casa Civil que termina com Mercadante.

O senhor aceitaria algum cargo político?
Já tive vontade de concorrer. Desisti antes de concorrer. Vi que não seria eleito. Foi uma grande análise política que fiz.

Dizem que foi a melhor análise…
Claro. Porque diz respeito a mim. Ia para a convenção para ser candidato a deputado federal. Era um partido pequeno, o PST.

E no futuro, pensa em se candidatar?
Não descarto no futuro, mas é dever de todo brasileiro, ainda mais eu que sou apaixonado pela política, de contribuir com alguma coisa. Não me surpreenderia se no futuro fosse candidato ou ocupasse alguma posição no governo, mas, no momento, não.

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