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Lula e a conclamação

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Diante da aspereza de instituições mal-intencionadas, do senso de justiça que não se coloca automaticamente a meu favor e da tentativa de difamação de meus ideais, eu, líder da fração dominante da classe dominada, conclamo meus seguidores, admiradores, ouvintes a tomarem a decisão de me defender.

Ele parece sentir-se culpado. A semelhança de seus interesses com o de outros investigados o preocupa. Relutava em aprender novos truques no rodeio de flagelador político que montara para seu personagem. Saltar, empinar, escoicear até romper a corda que permite atirar o adversário na lama.

Agora, porém, a patota era outra, insensível aos seus enigmas, voluntariamente aceitos pelos compatriotas até aqui. Alguns o convenceram que ele estava sob a tutela mais elevada dos céus, responsável pela brandura e a flacidez da lei diante de seus costumes. Outros, indispostos com a concentração do poder nas mãos dos ricos, o fizeram acreditar na legitimação mágica do poder extraído da sua origem pobre.

Enquanto sua voz dava um passeio pelo ouvido dos seguidores e seu semblante dava mostras de que alguma coisa ali não ia bem, sua alma, distante daquela preleção, buscava um jeito de beneficiar-se da situação. Havia perigos que já pressentia, especialmente a certeza de que pessoas mais sensatas costumam achar que a verdade, obviamente, costuma estar só de um lado das coisas.

Mas o que o preocupava era perder a face de pregador pois, desta vez, era a história de um líder-rico, não a saga do líder-pobre, que despertava a curiosidade sobre sua vida. A engenhosidade da imprecação podia não ser suficiente para esconder coisas que estavam aparecendo, como o corpo aparece quando desabotoamos a camisa.

E seu cérebro, que já andava meio confuso, por ter que raciocinar com tanta informação, ia fazendo farelo do discernimento, diante da singular simplicidade da pergunta do investigador de Curitiba que punha a prova sua índole e a compreensão da natureza dos favores que o cercavam.

E aquele sobressalto que o faz explodir como pólvora e a reação mecânica que o acompanha – correr para os velhos amigos, vestir uma camisa vermelha, por uma estrela no peito, ir atrás de um microfone – e que dava tão certo, o convencia que a balança em que pesa suas atitudes não precisa ser aferida por ninguém. Por isso, sem tempo de se acalmar, saiu direto para dar uma sova no assunto. E fez, mais uma vez, o de sempre. Construiu uma declaração, capaz de transferir para os outros, aquela vida sobrecarregada de aflições. E, em alguns minutos, impulsionado por elogios, se pôs seguro que o contorno daquela história continuará a ser dado por ele mesmo.

Com a bufonaria renovada por aplausos encorajadores, aquela educação para a valentia tinha que ser correspondida, paga com passeatas, como se fosse procissão. E, malicioso e didático, parecendo bem-intencionado, pediu a amigos e admiradores que o convidasse para as refregas.  Mas as intenções perigosas daquele líder ferido teriam bem passado por bondoso choro de um humilhado, não fosse por um detalhe. Quando o calor dos companheiros o confortou suficientemente ele, obedecendo a um comando obscuro, invocou a serpente e pôs para fora, como ódio, o amor que recebia. E a voz arrogante, como se somente ela tivesse o direito de existir, pareceu subjugar o juízo da plateia, mais pela forma estridente do que pelo vazio do delírio que transmitia.

E toda a sabedoria, o método, o espírito da lei, que constitui a arte de governar para os outros, tudo vai sendo esquecido, para por em marcha as razões de um único homem que não quer explicar, sem qualquer dose de imaginação, porque não era seu o que usava, porque aliados o ajudavam com tantos pormenores. E como se edificam, sobre a voz de um orador, 27 milhões de moedas nacionais, sem intenção de ofendê-lo.

E tudo isso para fazer o quê ?.  Para continuar a política uma atividade atrativa para libertinos? Para partilhar uma responsabilidade comum e coletiva ?. Não e não. Para idealistas irem para as ruas testemunhar o que não sabem.

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