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Sobrou para os Estados

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Enquanto os estados e municípios geravam um superávit de R$ 10 bilhões, a União mostrou um inédito déficit fiscal de R$ 117 bilhões em 2015. Foi uma inflexão chocante no comportamento do governo desde o início da década de 2000. Depois de muitos anos de superávits polpudos, essa política foi, aos poucos, abandonada. Brincou com fogo, pois, em 2014, já sob os efeitos da recessão atual — que ele mesmo criou —, houve um primeiro déficit, de R$ 20,4 bilhões, e, agora, esse descalabro.

Com o déficit atual, espera-se que, depois de muito tempo sem esse pesadelo, a dívida pública entre em trajetória explosiva. Daí à detonação do risco Brasil (que já pulou de 100 para 500 pontos, enquanto o da Argentina desaba) e à hiperinflação é um passo. Expectativa ruim quanto ao futuro das contas públicas é a essência da crise econômica do momento e a herança maldita que fica.

Como reverter tal quadro? Antes é preciso perguntar se os estados, parte mais frágil nessa estória, aguentam o tranco, antes da economia e a arrecadação começarem a se recuperar. Olhando para o conjunto, a resposta é: haja desafio! A recessão provocou queda no crescimento da arrecadação. Pelos termos da última renegociação de dívidas, ao redor de 2000, a União pôde obrigar os estados a pagar o serviço dessa dívida, que é majoritária.

Sem os empréstimos generosos que autorizou em 2013-2014, algo que depende só dela, e que brecou no início de 2015, os estados foram forçados a gerar algum superávit, ainda que à custa de jogar muita despesa para 2016, via “restos a pagar” e de raspar o tacho das “receitas extraordinárias” como o uso dos depósitos decorrentes de disputas judiciais, algo que só se faz uma vez.

Dona do pedaço, mas em litígio com o Congresso e o TCU e sem ligar muito para a reação contrária dos mercados, a União deixou seu déficit explodir, e pôde financiá-lo, ainda que indiretamente, por emissão monetária, algo pouco percebido. Já aos estados, dentro da camisa de força apertada que a União lhes havia imposto desde o início da década de 2000, só restou empurrar o problema com a barriga, sendo inevitável que déficits elevados se mostrem em 2016, pois é impossível adiar pagamentos maciçamente em dois anos seguidos.

A União deixou os entes subnacionais na mão em dois contextos. Primeiro, porque havia um pacto implícito de que ela e eles gerariam, conjuntamente, um elevado superávit fiscal por muitos anos, sendo de 26% do esforço de ajuste total a parte de responsabilidade dos estados e municípios devedores. Só que, em 2015, graças aos erros cometidos e, obviamente, sem combinar com os entes, a União escancarou o déficit de R$ 117 bilhões. E financiou esse déficit sem a emissão de dívida nova juntos aos mercados.

Coube ao Banco Central emitir o dinheiro necessário sacando da conta única do Tesouro, e tentar agora enxugar uma parte da liquidez adicional colocando seus próprios papéis no mercado, títulos esses que pagam a taxa Selic e, na prática, podem ser recomprados diariamente, via o velho overnight.

Já os estados não têm como gerar dívida nova, nem possuem mais bancos estaduais para emitir moeda indiretamente. Os mais complicados financeiramente até conseguem esconder o problema por um ano, mas, sem acabar a recessão, um déficit total elevado dará as caras em 2016, redirecionando-se para eles todas as pedras que os mercados jogam hoje sobre a União, e a ira das partes afetadas: pacientes estressados de hospitais sem atendimento etc.

Há estados precavidos, como Ceará e Santa Catarina, entre outros poucos, que conseguem passar ao largo da borrasca. Já em casos dramáticos, como o do Rio, que o governador Pezão tem discutido aberta e corajosamente, a situação é muito difícil. Como a grande maioria dos estados, o Rio gasta muito com pessoal, esse é o “X” da questão. São muitos anos de política populista nesse setor, diante de corporações de servidores cada mais poderosas e poderes autônomos descompromissados com a necessária austeridade fiscal. Nesse sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal não pegou.

Para completar, o Rio depende crucialmente da receita com os royalties do petróleo para a Previdência dos seus servidores, e de sua maior contribuinte individual, a Petrobras, ambos em forte derrocada no momento atual. As propostas de ajuste do gasto e de desvinculação de receitas que Pezão acaba de entregar à Alerj têm de ser apoiadas.

Diante da inapetência do governo, os governadores podem esperar passivamente as pedras, enquanto seus déficits elevados mostram as caras e o caos nos serviços se instale de vez. No Rio, é só passarem as Olimpíadas. Contudo, sendo hoje o único agrupamento político com credibilidade para tal, os governadores deveriam capitanear um movimento pró-ajuste estrutural do gasto junto ao Congresso Nacional, que, se for aprovado, reverterá as expectativas fortemente desfavoráveis sobre o Brasil e, assim, recuperará suas receitas pelo caminho natural da retomada do PIB. Até lá, algum jeito de financiar pelo menos parte de seus déficits terá de aparecer.

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