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“A violência contra a mulher é uma questão cultural”, diz Paulo Pimenta

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O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) preside a Comissão de Direitos Humanos num dos momentos de maior embate com a bancada de parlamentares que pôs na ordem do dia uma agenda fortemente criticada pelo seu acentuado conteúdo conservador. Esse debate coincidiu com dois outros fatos que exigiram uma atuação cada mais destacada de Pimenta, parlamentar experiente e conhecedor do assunto: 1) constantes denúncias de crimes de racismo e assédio sexual; 2) forte enfrentamento com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um dos líderes da bancada evangélica. “A presença deles (conservadores) no Congresso é desproporcional à influência real que têm na sociedade”, explica o deputado. “O cara que é homofóbico procura atingir o pequeno nicho de 10%. Ele concentra essa votação e obtém consentimento eleitoral que o traz para cá, mesmo que a grande maioria da sociedade tenha pensamento contrário”. A seguir, entrevista exclusiva com o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara.

 

O tema direitos humanos domina hoje debate, com muitas denúncias de racismo e assédio sexual. Qual o papel da Comissão nesse debate?

A Comissão está completando 20 anos este ano. Durante muito tempo foi responsável por uma pauta propositiva. Na luta das mulheres, da comunidade LGBT, dos indígenas, quilombolas. Há algum tempo essa realidade vem se alterando e este ano se agravou muito. Atualmente, a pauta dos direitos humanos é de resistência. A tarefa é resistir ao avanço conservador, que ocorre de maneira desproporcional na Câmara por diversos fatores. Um deles é o presidente da Casa (Eduardo Cunha), um parlamentar da bancada evangélica, que assumiu um conjunto de compromissos na sua caminhada até a presidência, tais como (a revisão dos) estatutos do Desarmamento e da Família; o projeto que reduz o direito das mulheres, que criminaliza a heterofobia; a PEC que tira do Executivo a prerrogativa de demarcar terras indígenas; e a redução da maioridade penal.

Quem está ganhando esse jogo?

No primeiro momento, houve uma mobilização por parte desses segmentos. Basicamente são três grupos: o que tem o tema da segurança pública, o setor financiando pelo agronegócio e a bancada evangélica. Isso cria uma aliança de auto-ajuda para tentar fazer determinados temas avançarem. Eles obtiveram alguns resultados, mas do ponto de vista de resultado real para a vida das pessoas, pouca coisa.

Não houve nenhuma votação definitiva?

Não, pois há uma reação da sociedade e o Senado freia esses temas conservadores. Com o próprio enfraquecimento político da figura do presidente, parte dessa pauta começou a perder credibilidade e consistência.

Foi formulada, mas na prática não avançou…

Esses grupos trabalham para responder a uma expectativa conservadora que eles criam durante a campanha eleitoral. São grupos que identificam nichos e disputam entre eles, pois cada um desses parlamentares procura ter uma marca. Eles instrumentalizam determinadas pautas, mesmos sabendo que algumas podem alimentar o ódio, e exercem o mandato com esse objetivo.

O Brasil é um país conservador?

A presença deles no Congresso é desproporcional à influência real que têm na sociedade. A legislação eleitoral permite que se constituam determinados nichos. 90% dos candidatos não são homofóbicos, mas não fazem dessa pauta o centro da sua atuação política. Então, o conjunto da sociedade que não é homofóbica não irá votar num candidato que é, pois está preocupada com outra coisa. Agora, o cara que é homofóbico procura atingir o pequeno nicho de 10%. Ele concentra essa votação e obtém consentimento eleitoral que o traz para cá, mesmo que a grande maioria da sociedade tenha pensamento contrário. A representação hoje é distorcida, pois no Parlamento tem uma representatividade maior do que na sociedade.

Qual sua opinião sobre a campanha das mulheres sobre o primeiro assédio? No Facebook, por exemplo, existem muitas manifestações.

Existem dois fenômenos que são muito presentes atualmente. O primeiro é a banalização do mal: você legitima na sociedade o discurso da banalização e, com isso, a pessoa se sente autorizada a provocar um ato de violência. O segundo é a rede social: ela desconstrói o filtro. Como a pessoa não está diante do seu interlocutor, aquele conjunto de filtros que limita a sua capacidade de revelar aquilo que ela pensa não está presente. O movimento das mulheres é muito interessante. Ele tem uma dose de espontaneidade, pois surge a partir do conjunto de fatos, de uma maneira criativa e corajosa. Pegando como exemplo a USP: só no quadrilátero que reúne os cursos da saúde, você tem 112 denúncias de assédio ao longo do último período. As mulheres trazem um debate muito importante. Penso que quanto mais levarmos para a sociedade informações reais sobre a realidade social do Brasil, mais se desconstitui o preconceito. Dados do estudo “Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres” revelam que no Brasil 13 mulheres são mortas por dia e 53% delas foram mortas por pai, irmão, marido ou ex-companheiro. A meu ver, a violência contra as mulheres tem base em uma questão cultural, como o machismo. Então temos que desconstituir esses discursos falaciosos.

Qual a principal razão para esse número absurdo?

Existem dois aspectos. Primeiro, a Lei de Drogas. Houve uma interpretação mais rigorosa: pessoas que portavam pequenas quantidades de drogas passaram a ser tratadas como traficantes. Muito dessas mulheres acabam assumindo tarefas do marido, pai, irmão que estão presos. Em consequência, os presídios se encheram de mulheres. Isso explicita a falência da lei.

O que o Legislativo pode fazer atualmente?

Existe um movimento na sociedade que é muito interessante. Não há nada que ocorra dentro da Casa que não venha de uma exigência externa. Tem inúmeras iniciativas que ocorrem no Brasil para discutir a questão da família, pois estão tentando colocar na lei que família é uma união estável formada por homem e mulher. Eles foram com sede ao pote e acharam que o Eduardo Cunha seria o canal. Provocaram uma reação positiva na sociedade. A desconstituição da figura do Cunha descredencia ainda mais. Podemos perceber que grande parte dos movimentos agregam a eles o “Fora Cunha”.

Diante da crise na política, na economia e nos partidos, como o sr. imagina o futuro do PT?

O PT é um fenômeno histórico muito profundo e forte. O petista não é apenas um cara filiado ao Partido dos Trabalhadores, é um cidadão que constitui uma geração, um conjunto de expectativas e valores sobre o Brasil. Está atrelado à imagem do Lula. O petista hoje está machucado, pois viu lideranças envolvidas em condutas e comportamentos que ele sempre condenou, que outros partidos utilizavam, na questão do financiamento de campanhas. Nós tivemos uma situação de constrangimento real. O PT tem um legado extraordinário, mudou a vida de muitas pessoas e lideranças muito forte, como o Lula. Nós temos todas as condições de recuperar o nosso protagonismo e credibilidade. Aposto no projeto e no papel do PT.

O Lula está no chão ou é um nome importante para 2018?

Se o Lula estivesse no chão não iria apanhar o tanto que apanha. O tratamento que ele recebe é desproporcional muitas vezes e distinto do que é dado à outras lideranças políticas do país. Em mais de uma oportunidade o Lula já demostrou sua capacidade de resistência. O Lula está forte e vem em 2018.

E o Cunha, está com os dias contados?

Qualquer outra pessoa já teria caído. O Cunha só não caiu ainda porque tem uma teia de relações interpartidárias que estabelece uma rede de proteção para ele. É um pouco invisível, mas é real e existe. No momento de instabilidade política que o país vive, ele acaba sendo uma moeda que interessa à oposição. Isso faz com que ele seja poupado de uma maneira que ninguém mais seria. Há uma certa fragilidade nos seus argumentos e teses de defesa. Eu considero que é insustentável sua permanência na Casa. É impossível imaginar que o terceiro nome na hierarquia da República possa presidir a Casa envolvido em um nível de escândalo da natureza que ele está envolvido. Logo, penso que ele, inteligente como é, deve estar pensando em uma saída.

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