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Algumas reflexões sobre a crise fiscal

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A crise brasileira, multifacetada e espetacular, tem desfecho imprevisível. Para enfrentá-la, teremos de percorrer um doloroso caminho, começando por um vigoroso ajuste fiscal no curto prazo.

O ajuste, infelizmente, não prospera, pois ganham proeminência questões políticas, como o impeachment, as denúncias contra parlamentares e o interminável circo de horrores da Operação Lava Jato, com exibições diárias de práticas de cleptoparasitismo.

Só agora os resultados fiscais, após patéticas tentativas de acobertamento por meio de pedaladas, começam a assumir sua verdadeira e assustadora dimensão. Louve-se o empenho recente pela transparência. Existem, todavia, muitos passivos não contabilizados nos resultados fiscais, como os crescentes e impressionantes restos a pagar, os precatórios não pagos, os créditos tributários acumulados, as presumíveis dívidas do Tesouro com as instituições financeiras oficiais por causa das malsinadas pedaladas, as virtuais necessidades de aporte de recursos para empresas públicas morbidamente deficitárias. Em algum momento, essas contas serão cobradas.

Muitos admitem, não sem razão, que estamos na iminência de ingressar num dramático estado de dominância fiscal, em que serão infrutíferos os esforços para debelar a inflação, recorrendo-se a aumento da taxa de juros.

Para superar esses problemas não existem fórmulas mágicas. Ainda que seja óbvio, é preciso ao menos ter clareza na formulação do problema, humildade para reconhecer erros, disposição para negociar as opções possíveis e determinação para dar curso às soluções viáveis. Infelizmente, nem sequer temos convicção quanto às possibilidades de cortes de despesas, pois está interditado o debate sobre a obrigatoriedade de determinados gastos, tamanho do Estado, vinculações orçamentárias, etc. É certo que é desagradável e cansativo lidar com cortes de despesas. Nossa tradição é criá-las, jamais cortá-las. Somos devotos do Leviatã.

Pelo fascínio que exerce sobre os mortais, o tema tributário volta a sobressair-se nas discussões sobre a crise fiscal. É mais cômodo, reconheço, recorrer a aumento de tributos. Esse aumento só deve ser cogitado como último recurso, depois de hauridos, com absoluta transparência, todos os esforços para redução de despesas.

Se a sociedade não compreender a questão, será incapaz de admitir qualquer pretensão de elevar, ainda que temporariamente, a carga tributária.

Suscitar discussões sobre a matéria tributária talvez seja uma das raras virtudes da atual crise. É certo que, aqui e acolá, podem acontecer certas descortesias intelectuais. São escusáveis, contudo, porque minúsculas diante da importância do próprio debate.

Há inevitáveis riscos de dogmatismos, esquematismos, proclamações da verdade única, pregações de evolucionismo social que almeja a universalização de paradigmas estabelecidos nos países desenvolvidos, abdicando de considerar traços culturais locais. Esses riscos, todavia, são inerentes ao embate de ideias.

Não há que temer o novo. Em algum momento, ele foi tido como inusitado. Uma boa dose de realismo também é indispensável. Como ensina Douglass North, Prêmio Nobel de Economia, um fundamento primordial da escolha é não se cingir ao que é necessariamente ótimo. Ao que acrescenta a refinada economista e escritora Eliana Cardoso (Que país, meu querido, é esse?, Valor, 12/8/2015): “Que se danem as ilusões dos economistas (de esquerda ou neoliberais), donos de receitas infalíveis para nos colocar no bom caminho. Na prática, a teoria é outra”.

A 10.ª lição de Stanley Fisher, assinala Delfim Netto (Valor, 17/10/2013), se dirige aos sacerdotes do “suponhamos que”, que se julgam portadores da verdadeira ciência econômica, demiurgos autoproclamados: “Numa crise… nunca digam nunca”.

Em outro artigo, voltarei a explorar questões técnicas vinculadas a juros sobre o capital próprio e a isenção na distribuição de resultados, repudiadas pelo nosso “complexo de jabuticaba”.

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